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“Primeiro casamento católico naturista do Brasil”… Será mesmo?

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Pixabay - CC

Aleteia Brasil - publicado em 04/05/19

Manchete da BBC Brasil é imprecisa: não se refere à Igreja Católica Apostólica Romana

Vem sendo divulgado em redes sociais que, no final de maio, será celebrado o assim descrito “primeiro casamento católico naturista do Brasil“, a ser celebrado por um “padre católico” que, diferentemente dos demais participantes, não estará nu: embora ele próprio seja apresentado como “adepto do naturismo“, veiculou-se que estará “paramentado com batina e estola“.

As informações foram publicadas por diversos sites e um deles chama as atenções pelo renome: a BBC Brasil, edição local da mundialmente reconhecida rede britânica de comunicação. Em matéria do último 3 de maio, acessível aqui, a BBC Brasil adota a imprecisa manchete “Como será o primeiro casamento católico naturista do Brasil“.

BBC Brasil
Captura de Tela / Site BBC Brasil

A matéria

Depois de apresentar noiva e noivo, o artigo considera que “a Igreja Católica não é contrária à prática” do naturismo. Para embasar esta alegação, traz uma afirmação de Fernando Altemeyer Júnior, professor do Departamento de Ciência da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: “Não há posicionamento oficial sobre naturismo ou nudismo”. A esta afirmação é acrescentado um comentário genérico: “Há, no entanto, cuidados propostos por moralistas quanto ao respeito e ao pudor diante da intimidade humana e sexual“.

Em seguida, supondo a premissa de que “o problema nem é o naturismo em si“, o texto da BBC passa a comentar que “o empecilho é quanto ao local”: com “raríssimas exceções”, como situações de doença grave, “a Igreja Católica Apostólica Romana não permite a celebração do sacramento do matrimônio em ambiente que não seja dentro de uma igreja“.

É neste momento que a reportagem, citando palavras da noiva, apresenta o celebrante da cerimônia:

“Os padres [católicos apostólicos romanos] concedem apenas uma bênção fora da igreja e, para isso, teríamos de fazer todo o cerimonial na instituição religiosa também. Por meio de um amigo, conhecemos o padre Daniel, que também é praticante [do naturismo] e foi bem receptivo à ideia”.

Somente neste ponto é que a matéria explicita que

“…o matrimônio não será católico apostólico romano, mas sim católico ortodoxo americano. Padre Daniel Ferreira, de 60 anos, o celebrante, é membro desse clero desde 1992. Já foi pároco em Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo. Atualmente, ocupa o cargo de chanceler da Igreja Católica Apostólica Reunida no Brasil, instituição considerada coirmã da americana”.

Falta de clareza

Dado que, comumente, os habitantes do assim chamado “maior país católico do mundo” tendem a entender que “católico” se refere à Igreja Católica Apostólica Romana, é sempre desejável que se deixe claro quando o “católico” em questão se refere a dissidências – por mera questão de bom jornalismo.

Casos precedentes

São frequentes os casos de confusão e indução a erro envolvendo entidades independentes que se apresentam com nomes, títulos, ritos e paramentos muitíssimo semelhantes aos da Igreja Católica Apostólica Romana.

Em abril de 2007, um sacerdote católico apostólico romano registrou boletim de ocorrência contra um membro da Igreja Católica Apostólica Reunida no Brasil por falsidade ideológica e por cobrança de serviços de orações.

Matéria publicada à época pela Folha de S.Paulo (“Padre acusa padre de falsidade ideológica“, 18/04/2007 – confira aqui) relata que, “paramentado com batina e crucifixo“, o clérigo da entidade não ligada ao Vaticano teria sido abordado no Cemitério da Quarta Parada, em São Paulo, e chamado a fazer uma oração durante um velório. Ele teria dito que era da Igreja Católica, sem deixar claro que não se tratava da Apostólica Romana. Segundo a mesma reportagem da Folha, funcionários do cemitério declararam que o homem acusado de falsidade ideológica teria sido visto abordando famílias de mortos “e cobrando R$ 100 pelas missas de corpo presente“. Autor da queixa registrada no 57º DP, o pe. José Florêncio, sacerdote católico apostólico romano, afirmou que o acusado “usa de má-fé, confunde as pessoas dizendo que é da Igreja Católica e se vestindo como nossos religiosos (…) Para nós, é proibido solicitar doações nessas cerimônias“. Procurado pela Folha na ocasião, o fundador da Igreja Católica Apostólica Reunida no Brasil, bispo José Elias, declarou que a sua entidade não é ligada ao Vaticano, mas “funciona legalmente no Brasil“. José Elias acrescentou, segundo a mesma reportagem:

“Usamos roupas parecidas com as usadas pelos sacerdotes da Igreja Católica Apostólica Romana e fazemos batizados, casamentos e enterros. Nos velórios, não cobramos nada, só dizemos que contribuições são aceitas. O problema é que a Igreja Católica Apostólica Romana se acha dona de tudo e causou a maior confusão”.

Outros grupos, casos parecidos

Diferentes organizações adotam nomes que contêm os termos “Igreja Católica” sem estarem ligadas à Igreja Católica Apostólica Romana.

Em 13 de outubro de 2017, a diocese católica apostólica romana de Caruaru, em Pernambuco, emitiu nota denunciando “o uso de vestes eclesiásticas e litúrgicas por parte de cristãos leigos residentes em Gravatá (PE) e Camocim de São Félix (PE)“. A propósito dos dois jovens leigos em questão, a nota acrescentava que ambos

“(…) afastaram-se da Igreja Católica, Apostólica, Romana e vêm confundindo o povo com roupas litúrgicas da Igreja Católica, afirmando que celebram Missa e outros sacramentos, numa inequívoca afronta à legislação vigente, notadamente o Artigo 7° do Decreto n. 7.107, de 11/02/2010 (Acordo Brasil – Santa Sé), que ‘garante a proteção dos lugares de culto da Igreja e de suas liturgias, símbolos, imagens e objetos cultuais contra toda forma de violação, desrespeito e uso ilegítimo'”.

Em 13 de dezembro do mesmo ano, paramentados como sacerdotes, os jovens já denunciados em outubro pela diocese de Caruaru chegaram a participar parcialmente, como supostos concelebrantes, de uma Missa na Comunidade Canção Nova, em Cachoeira Paulista (SP). Eles foram retirados do presbitério assim que a falsidade ideológica foi descoberta. Um deles se apresentava no Facebook, à época, como bispo da Igreja Católica Apostólica Cristo Eterno Sacerdote, na “arquidiocese de Gravatá” – que, porém, não existe dentro da Igreja Católica Apostólica Romana: o município pernambucano de Gravatá pertence à diocese de Caruaru.

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Em destaque, Jonathan Alifer Albuquerque (à esquerda) e Jorge Heracleo (à direita) / Foto: Captura de tela - Facebook Escolástica da Depressão

Em janeiro de 2018, o bispo católico apostólico romano Dom João Wilk, da diocese goiana de Anápolis, divulgou um alerta a todos os fiéis a respeito de jovens que se apresentavam falsamente como seminaristas e diáconos a fim de extorquir donativos em dinheiro para as suas supostas ordenações sacerdotais.

Imprecisão jornalística

Diante desses e de vários outros casos recentes e documentados, inclusive de falsidade ideológica, nos quais católicos apostólicos romanos são notavelmente induzidos ao erro por pessoas ligadas a grupos confundíveis com a Igreja Católica Apostólica Romana, a manchete da BBC sobre o alegado “primeiro casamento católico naturista do Brasil” perde a oportunidade de mostrar uma clareza, digamos, mais “desnuda”

Tags:
ComunicaçãoIgrejaPadres
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