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Seu celular ou seu filho: qual dos dois recebe mais atenção?

MATKA Z TELEFONEM

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Beatriz Camargo - publicado em 27/05/19

Sem percebermos, estamos dedicando aos grupos de aplicativos de mensagens um precioso tempo que poderia ser mais bem aproveitado ao lado da família

Em meados de 2016, época em que engravidei, me lembro de ter lido uma reportagem a respeito de uma foto que viralizou na Internet por mostrar um bebezinho deitado sobre um cueiro no chão do aeroporto enquanto a mãe aparecia sentada numa cadeira diante dele usando seu smartphone.

As pessoas que compartilhavam aquela foto em suas redes sociais estavam extremamente indignadas com a atitude daquela mãe, afinal, como era possível alguém preferir a distração do celular a ficar com sua criança no colo? A notícia justificava a cena inocentando aquela mulher, mas nunca me esqueci da minha conclusão a respeito daquela história: nunca vou trocar meu filho pelo celular.

Pois bem, meses depois, já grávida, passei a fazer parte de um grupo num aplicativo de troca de mensagens formado por poucas outras gestantes que já conhecia. As mensagens eram escassas e os assuntos variavam de preços de ensaios fotográficos a dúvidas em relação ao parto. Quando Tomás nasceu, contei no grupo todos os detalhes do parto e respondi a algumas dúvidas que elas tinham, tudo seguia tranquilamente.

Dias depois, uma das garotas me perguntou se eu não queria fazer parte de um outro grupo, onde algumas mães trocavam informações sobre os cuidados com a criança. Eu, no fundo, não queria, mas para não parecer grosseira, aceitei. E foi aí que teve início uma das experiências mais inusitadas da minha vida.

Poucos minutos após ser inserida no novo grupo, o alerta de nova mensagem piscou em meu smartphone e fui checar do que se tratava. Naquela vez, assim como em muitas outras que sucederam, era uma mãe perguntando sobre algo que tinha dúvida e outras dezenas de mães respondendo em seguida. Sim, aquele grupo era grande, certamente eram mais 100 reunidas ali, e todas elas com crianças menores de 2 anos!

Em qualquer hora do dia havia alguma mãe relatando algo: violência obstétrica, assaduras, mastite, falta de leite, preço de fraldas, qual melhor carrinho, bebê-conforto, cadeirão, e por aí vai… Ah, e não faltavam também fotos de nenês lindos e gordinhos!

Desde o primeiro momento meu pensamento foi: como é possível? Com todo o trabalho que os bebês dão, como elas encontram tempo para usar tanto o celular? Fiquei curiosa mas, como ali havia mães bem mais experientes do que eu, achei que em algum momento o grupo me poderia ser útil. Eu então silenciei todos os alertas de nova mensagem e reservei os meus acessos para os momentos em que meu bebê estava mamando ou dormindo.

Desde então, quando consigo, leio as conversas bem depois de terem acontecido e então, mesmo que tenha uma resposta ou indicação, já é muito tarde para palpitar, então sigo silenciosa.

A grande verdade, porém, é que nunca me identifiquei com o teor de muitas conversas que acontecem ali. Embora a premissa é de que o debate seja em torno da criação dos filhos, há também muitos desabafos (incluindo alguns detalhes íntimos que eu não seria capaz de falar nem para a minha melhor amiga) e fofocas, principalmente envolvendo parentes.

Porém, algo me leva a desconfiar que comportamentos assim acabam sendo comuns em grupo do tipo. Essa constatação surgiu durante uma conversa com uma amiga sobre o assunto, e ela acabou por relatar toda a angústia que sentia ao tentar acompanhar o grupo da escola da filha, e que muitas vezes se sentia constrangida.

Segundo minha amiga, a maioria das conversas eram desnecessárias e uma vez houve, inclusive, um fato desagradável envolvendo uma mãe que foi chamada de relapsa e cobrada publicamente por ter esquecido de pagar o presente de Páscoa do filho que custava ínfimos R$ 15.

Como ela trabalha o dia todo, diz que acaba se sentindo uma péssima mãe. Seu grande incomodo é não ter a mesma rotina das mães mais ativas no grupo, que sempre falam dos almoços, do contato com os filhos e de tarefas de casa como algo muito complicado. De acordo com suas próprias palavras, “é preciso ser forte!”.

E, graças a nossa fé, Deus nos mantém fortes e confiantes de que estamos agindo da maneira certa, por mais difícil que seja. Mas sigo não entendendo como grupos como esses, feitos por mães para melhorar a interação, a troca de ideias e a criação dos filhos, acabam por se tornar algo capaz de monopolizar nossa atenção e nos martirizar. Enfim, mais um triste exemplo de como a tecnologia nos isola e contribuí para o nosso mal-estar.

A preocupação da minha amiga em acessar o WhatsApp por medo de perder alguma informação importante em relação à escola da filha tem fundamento e, pior, se ela fosse uma pessoa com distúrbio de ansiedade provavelmente já teria desenvolvido um comportamento conhecido como FoMO, ou “Fear of Missing Out”, que pode ser traduzido como “medo de estar perdendo algo”.

Não sei se por sermos, digamos, mais equilibradas, ou de termos certo discernimento, nós duas conseguimos manter um distanciamento saudável dos grupos. E digo mais: no meu caso, descobri que “sofro” de JoMO (“joy of missing out”) cuja tradução é algo como satisfação em ficar por fora.

Totalmente contrário ao tal do FoMO, esse comportamento que eu nem sabia que tinha uma definição formal, parece ter se tornado uma tendência entre as pessoas que preferem as sensações reais e o tête-à-tête.

Sim, prefiro deixar o telefone de lado e brincar com meu filho, levá-lo à pracinha, sentar ao seu lado em sua mesinha para desenhar, brincar de massinha, de carrinho e o que mais ele quiser. Isso não quer dizer que eu deixei a internet de lado, pelo contrário, eu a uso – e muito! – para o meu trabalho, para fazer compras, pagar contas, me manter informada, enfim, acredito que inconscientemente meu uso seja mais racional e menos dependente. Sorte do Tomás!

Tags:
CriançasEducaçãoFilhostecnologia
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