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Confinamento: viver 24h por dia com os filhos e manter a sanidade

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Photo by Jared Sluyter on Unsplash

Edifa - publicado em 27/03/20

O confinamento pode gerar conflitos dentro da família, principalmente entre filhos e pais. O que fazemos para não discutir durante o tempo que estamos juntos? Quais são as regras de conduta e comportamento que devem ser estabelecidas?

Quando há um confinamento, o tempo pode parecer que passa muito lentamente tanto para as crianças quanto para os adultos. E é então, quando podem surgir os conflitos que todos nós receamos. Como podemos viver juntos sem brigar uns com os outros? Como preservar uma certa serenidade familiar?

Marie-Paule Mordefroid, psicóloga e professora de adultos no campo do desenvolvimento pessoal, nos tranquiliza: os conflitos são normais. Depende de nós administrá-los da melhor maneira possível, com empatia e com firmeza.

A harmonia familiar é uma utopia?

Pode parecer um sonho com o qual fugir da realidade. Mas a harmonia não requer desconsiderar os conflitos, mas a aceitação de discrepâncias e a edificação. A vida em família gera confrontos sem fim. As discrepâncias surgem em primeiro lugar não por causa de qualquer incompetência dos pais, mas por causa da natureza desse relacionamento, que envolve uma parte conflituosa. A relação assimétrica entre pais e filhos não é uma relação de igualdade: os pais têm uma missão como educadores e os filhos devem construir sua própria identidade.

Quando os pais temem o confronto, eles não assumem as suas responsabilidades. Vivemos numa sociedade que valoriza o vínculo afetivo a tal ponto que os adultos temem perder o amor dos seus filhos e sofrerem por isso. Assim, os pais tentam resolver ou conciliar as diferenças que houvessem entre eles. Para lidar com os confrontos, é necessário livrar-se das deturpações que temos deles, frequentemente ligadas à violência resultante de uma gestão inadequada do conflito.

Na sua opinião, o conflito seria então não só inevitável, mas sim necessário?

Isso é absolutamente necessário. E mesmo que eu diga, nunca gostei do conflito. Onde há vida, encontramos conflitos. Eles permitem expressar o desacordo, a raiva e reivindicar as regras. Eles são úteis para limpar nossos relacionamentos familiares, aprender a nos comunicar melhor, promover o crescimento de nossos filhos e de nós mesmos.

Agora mesmo estou me lembrando de Quentin, de quatro anos, que fazia algumas cenas fantásticas na hora de dormir. Sua mãe pensou que elas estavam relacionadas com a ausência de vários meses do seu pai militar. O fato de falar sobre essas ausências com o menino conseguiu neutralizar sua inquietude e ele foi capaz de ir para a cama tranquilamente. Aprendemos muito com as crises de crescimento, com a condição de tentar vivê-las da melhor maneira possível. Não há conflito bom ou ruim, de outro modo é a maneira como administramos o que o torna destrutivo ou construtivo. A capacidade de experimentar essas divergências é um sinal de relacionamentos saudáveis.

Nosso comportamento aos conflitos depende de nossa história e de nosso caráter?

Em relação aos conflitos, eu encontro várias respostas:

  • A estratégia da retirada: “Já veremos mais adiante, é exaustivo ter que dizer não”;
  • A agressividade ou a autoridade que deseja impôr-se absolutamente, eficaz somente no curto prazo;
  • A manipulação ou inclusive a conciliação para manter a unidade familiar, negando a diferença.

Todos temos uma maneira espontânea de administrar o confronto que revela nossa identidade e o nosso passado. Não se trata de culpar os pais. Os Irmãos e as irmãs da mesma família reagem de maneira diferente, não é? Cada um deles tem sua liberdade; mesmo que eles tenham poucas decisões, afinal todos temos e fazemos a nossa própria escolha.

Podemos mudar nossa maneira de reagir para sentir melhor os conflitos?

É difícil mudar a personalidade de alguém, mas podemos aprender a alisar as asperezas para fazer com que nossos entes queridos e nós mesmos soframos menos. Primeiro, temos que ouvir as observações dos outros, começando pelas do cônjuge, e assim obteremos pistas. Também é benéfico perceber que, diante das adversidades, ativamos o piloto automático como se estivéssemos programados. Finalmente, no momento do nascimento do conflito, devemos observar nossos pensamentos, nossas emoções, percebermos como estas ações distorcem a realidade. Pouco a pouco, os pais que repensam suas idéias relativizam certos princípios educacionais que antes pareciam absolutos. Eles desenvolvem qualidades que tinham deixado de lado. Por exemplo: uma pessoa muito comunicativa, muito inteligente, mas que não sabe ouvir nada, tentará desenvolver essa capacidade de atenção aos outros.

Outra possibilidade: se uma pessoa está acostumada a fugir de disputas, pode aprender a lidar com elas pouco a pouco, começando pelas questões menos importantes em sua vida conjugal ou profissional. É essencial compreender isso: se considerarmos o conflito como uma etapa necessária e não violenta, ele modificará nossa maneira de viver.

No momento no qual aceitemos evoluir, nossos filhos aprenderão a administrar as diferenças. Se fugirmos ou impedirmos que nossos filhos expressem sua discordância, eles não saberão entender os múltiplos confrontos que irão escalonar suas vidas.

Como ensinamos as crianças para que elas se enfrentem aos conflitos?

Ousando aceitar, como pais, o cara a cara com nossos filhos, admitindo ser a parede, o para-choque contra o qual eles querem colidir. Um adolescente é como uma pessoa que entra num barco para deixar o continente da infância. Para fugir da costa, você precisa remar na borda. Se os pais são uma borda de granito, as crianças podem ir. Se eles são uma borda pantanosa inconsistente, eles ficam pegos. Ao confrontarmos com eles, eles aprendem através do conflito.

Como evolui exatamente o relacionamento entre pais e filhos nesses momentos de tensão?

Nesse relacionamento complicado, os pais enfrentam-se constantemente num grande dilema entre paradoxos: combinar afeto e autoridade, afirmação de si mesmo e ouvir o outro, segurança e assunção de riscos. Na família, não cabe a nós definir o tom? Nosso comportamento influencia. É sempre revelador ver uma menina de três anos chorando por causa da sua boneca, imitando as expressões da sua mãe. O respeito às crianças já é um antídoto contra a violência. Vamos ter cuidado com os nossos ditos inoportunos, tanto em relação aos filhos quanto ao nosso cônjuge. Finalmente, um cônjuge estará interessado em evitar criticar o outro cônjuge em público. Tudo isso com vista a uma boa estruturaconstrutiva do filho ou da filha.

O que é essencial para permitir que uma criança se desenvolva?

O trabalho da educação, simplesmente. Compreender que amar não é apenas experimentar emoções e sentimentos, mas também querer o bem. Isso implica estabelecer limites, ser respeitado, exercer uma autoridade justa, viver tudo num relacionamento triangular: pais / filhos / lei.

O adulto não baseia sua autoridade em sua força, mas em seu status de pai ou de mãe que marca a necessidade de indicar as regras da família e da sociedade. Aqui entra o terceiro termo do relacionamento. Se Paulo não quer usar o capacete e seu pai o lembra da lei, não se trata de um conflito de pessoas devido à vontade exclusiva dos pais, mas de uma transgressão em relação a um princípio externo. Se ele discorda, não é contra o seu pai, mas contra a regra, com o risco de se expor às sanções previstas. Deixamos o relacionamento de força e, assim, o jovem é levado a saber como assumir a responsabilidade.

Ajudemos aos nossos filhos ir pouco a pouco conhecendo as realidades do mundo, confiando neles, exercendo um controle sobre eles que permita estender essa confiança assim como ir diminuindo ela, se ela for traída.

Como evitar que o adolescente viole as regras da família?

Para saber como agir, os pais precisam compreender o grande desafio desta idade: deixar de ser criança para ser adulto. O jovem deve descobrir o que é bom na lei parental para se apropriar dela e parar de agir por pura obediência ou medo. Inês adquiriu o hábito de fazer um lanche às 18 horas e depois estudar a tarde toda até ir para a cama dormir. Seu pai não aprova sua ausência no jantar. Após uma explicação, eles chegaram a um acordo satisfatório que deixa ambas as partes felizes. É importante ter parte da aprovação do adolescente: nessa faixa etária já não é o momento de submissão, mas de internalização.

Isso não é facilmente conseguido e freqüentemente ocorrem oposição e transgressão. Os pais nem sempre respeitam as etapas que podem preceder à desobediência: primeiro, o jovem precisa argumentar para entender suas razões; precisamos reconhecer o direito dele de discordar à força e permitir que ele se explique. “Por que você não concorda comigo?” Quando respeitamos esse direito dele, ele geralmente deixa de experimentar a necessidade de transgressão. Hoje em dia, os pais dizem que discutem com os seus filhos, quando na verdade negociam, principalmente numa forma de chantagem – “Se você fizer isso, você terá isso” – em vez de se aprofundar nos argumentos subjacentes.

O distanciamento pode ser uma etapa quando a situação fica parada?

Nesse caso, é preferível procurar ajuda, em vez de se esgotar, querendo administrar tudo sozinho. A ajuda pode vir do cônjuge ou de alguém do ambiente, família, profissional ou educador. Às vezes, a solução está em nós, basta que um dos pais ajude a desvendar a situação. Se um dos pais concorda em reavaliar a situação e suas idéias, isso cria um espaço e assim pode evoluir um relacionamento difícil com o filho.

Se uma criança nunca entra em conflito, isso não é uma preocupação?

Nas famílias em que não há direito a conflitos, a submissão pode ser um refúgio. Qualquer que seja a origem, é uma situação muito delicada, porque aqueles que fogem do conflito o fazem em seu próprio prejuízo, não são respeitados. Esmaga e reprime os seus desentendimentos por medo ou para satisfazer.

Num conflito, as opiniões dos pais frequentemente divergem. Como reagimos com isso?

O jovem precisa sentir a solidariedade conjugal, mesmo que não se deixe enganar pela diferença dos pontos de vista. Quando um dos cônjuges não concorda com o outro, é aconselhável ficar quieto na frente da criança para evitar ter que participar. O adolescente pode entender que seus pais discordam, com a condição de que ele se reafirme no amor de seus pais: “Não compartilho inteiramente a opinião do teu pai, mas lhe apoio”. Isso faz que amadureça o vínculo entre o amor e a verdade. Você entenderá que não estar de acordo com as idéias dos pais numa discussão, este fato, não tira o amor que seus pais têm por você. Isto é importante hoje em dia, quando há uma tendência a confundir opinião e pessoa, privilegiando o vínculo emocional: “Eu o amo, então concordo com ele”.

Florence Brière-Loth

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