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O cristianismo, o politicamente correto e a cultura do cancelamento

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Worawee Meepian - Shutterstock

Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 02/08/20

Ironia do mal, o ressentimento coloca frequentemente os mais fracos e injustiçados uns contra os outros, enquanto preserva os poderosos

Nos Estados Unidos, na esteira dos protestos gerados pelo assassinato de um negro, George Floyd, por um policial branco, reacendeu-se o debate sobre a “cultura do cancelamento”, que seria uma forma de censura, praticada pelos defensores do “politicamente correto”, não permitindo a liberdade de expressão a quem tem uma posição diferente da sua.

O ponto alto dessa retomada da questão é “Uma carta sobre justiça e debate aberto”, documento assinado por cerca de 150 intelectuais que – apesar de condenarem a discriminação racial e as injustiças sociais, atacarem o chamado “iliberalismo” atual e o presidente Trump – consideram que as esquerdas vêm realizando uma censura ideológica a quem pensa diferente, enfraquecendo a democracia e a liberdade.

O mais impactante é o amplo espectro de signatários do documento, com nomes consagrados à esquerda, como Noam Chomsky, e à direita, como Francis Fukuyama, feministas como Gloria Steinem e acusados de “transfobia”, como J.K.Rowling. Muitas vozes se levantaram contra a carta, atacando principalmente os seus signatários tidos como progressistas e de esquerda, que passaram a ser vítimas dessa “cultura do cancelamento” que condenam.

Um mundo onde todos se tornam vítimas do ressentimento

Temos que reconhecer que é difícil encontrar um ponto de equilíbrio entre políticas afirmativas, que ajudam a superar injustiças históricas e construir o bem comum, e uma nova discriminação, que repete erros do passado, apenas invertendo os sinais. Criamos e recriamos um mundo iníquo, onde os mais fracos – na prática – permanecem com direitos pouco reconhecidos e menos oportunidades. Apenas mudamos, um pouco, o perfil de quem são esses mais fracos.

Com isso, a sociedade permanece marcada pelo ressentimento mútuo, que agora atinge tanto aqueles identificados historicamente como “minorias” quanto aqueles que recentemente passaram a se perceber como perseguidos ou tendo seus valores não respeitados. Ironia do mal, o ressentimento coloca frequentemente os mais fracos e injustiçados uns contra os outros, enquanto preserva os poderosos.

Esse ressentimento e essa dificuldade de encontrar uma posição equilibrada frequentemente levam a uma visão deturpada da história do povo cristão. Se retrocedermos no tempo, encontraremos um vínculo inegável entre o cristianismo e o reconhecimento dos direitos humanos e a solidariedade ao mais vulnerável. São decorrências naturais do amor fraterno e da caridade.

Não por acaso, a universalização dos direitos, o reconhecimento da dignidade da pessoa e a democracia se desenvolveram no Ocidente cristão. Mas não podemos negar, igualmente, as chagas da escravidão moderna e dos genocídios de povos indígenas. Assim, os discursos ideológicos = de ambos os lados – tendem a lembrar um aspecto e esquecer o outro.

O perdão, a reconciliação e a justiça social

A justiça, sem amor, pode punir os erros e instaurar uma igualdade formal entre as pessoas. Dificilmente, contudo, será eficiente em reparar as injustiças e promover integralmente a humanidade de cada um. Esse é o grande drama das propostas atuais, frequentemente turbinadas pelo ressentimento e pela raiva diante de injustiças que de fato acontecem, mas que carecem do amor pelo outro que pode gerar tanto a reparação dos erros quanto a construção do bem comum.

A superação das injustiças históricas pressupõe uma cultura do perdão e da reconciliação. Frequentemente imaginamos que esse perdão e essa reconciliação seriam uma desculpa dos poderosos e dos opressores para se saírem ilesos num tempo de mudança. Isso seria um cancelamento injusto dos erros cometidos ou uma relativização de valores universais. Trata-se, na verdade, de todos reconhecerem seus erros e seus limites, mas buscarem o entendimento e um abraço que ilumina a humanidade tanto de quem abraça quanto de quem é abraçado.

Para o bem de cada um de nós e de todos na sociedade, temos que ter a humildade de dar e pedir o perdão, como nos ensina a oração do Pai Nosso, pois todos somos – em algum grau – pecadores que precisam ser perdoados tanto por Deus quanto por nossos irmãos.

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