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Objeção de consciência faz 50% de médicos recusarem aborto em hospital argentino

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Francisco Vêneto - publicado em 08/02/21
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Eles se amparam num direito garantido pela ética geral e pelos próprios códigos de ética da medicina, que os obrigam a salvar vidasObjeção de consciência leva 50% dos médicos do hospital público Alberto Antranik Eurnekian, na Grande Buenos Aires, a recusarem o aborto.

A objeção de consciência, grosso modo, é um direito de toda pessoa a não ser forçada a agir de modo incompatível com as suas mais sinceras e profundas convicções morais, éticas ou religiosas em matérias graves relacionadas com a preservação da própria vida e da própria integridade física e psicológica, bem como com a preservação da vida e da integridade alheia. De modo geral, costuma entrar na discussão sobre a aplicabilidade da objeção de consciência a diretriz moral de que tais convicções não devem causar a essas pessoas nem a terceiros um mal maior do que aquele que pretendem evitar, priorizando-se como critério a preservação integral da vida e da sua melhor qualidade. A legislação de vários países prevê o direito à objeção de consciência, por exemplo, em casos como a obrigatoriedade de prestar serviço militar ou de doar órgãos. Também há casos em que esse direito se estende à recusa a trabalhar no dia sagrado segundo a própria religião.

No caso dos médicos, o direito à objeção de consciência é garantido tanto pela ética geral quanto pelos próprios códigos de ética da medicina. Por esse direito, todo profissional médico pode negar-se a realizar procedimentos incompatíveis com as suas convicções de defesa da vida, o que inclui a recusa ao aborto provocado propositalmente e não como consequência inevitável e indesejada de um procedimento necessário à salvação da vida tanto da gestante quanto do bebê.

Esse direito de consciência, portanto, está de pleno acordo com o compromisso essencial da medicina, que é justamente o de empenhar os máximos esforços para salvar a vida do(s) paciente(s). De fato, é precisamente para salvar as duas vidas, a da gestante e a do bebê, que esses profissionais médicos argentinos estão se recusando a eliminar a vida da criança em gestação nos casos em que não existem circunstâncias ineludíveis que provoquem o aborto como consequência não procurada de um esforço por salvar a vida da gestante e do bebê.

Nos casos de grave risco de vida para a gestante, a própria ética geral prevê o “princípio do mal menor”: em situações extremas, nas quais estejam esgotadas todas as possibilidades plausíveis de salvar todas as vidas em risco, devem aplicar-se todos os esforços para salvar aquelas que puderem ser salvas. Neste cenário, pela própria impossibilidade objetiva de salvar a todos, infelizmente não se consegue salvar alguém apesar de todas as tentativas. Não se trata, portanto, de uma “escolha”: trata-se da própria “falta de escolha”. É importante ressaltar que, mesmo nesses casos, o foco está sempre em salvar o máximo possível de vidas e nunca em provocar ou acelerar a morte de alguém. A morte de algum dos pacientes, em tal cenário, só ocorre como consequência inevitável e não desejada do esforço por salvar a todos.

Deste ponto de vista, o profissional médico já é obrigado pela ética geral e pelo próprio código de ética da medicina a empenhar todos os recursos disponíveis para salvar todas as vidas em risco. Portanto, em tese, nem sequer deveria ser necessária a existência de legislação que obrigasse um médico a salvar a gestante, pois este dever já faz parte da própria essência da vocação médica e da ética geral.

Objeção de consciência

O que é patentemente contrário a toda ética é forçar um médico a agir para eliminar propositalmente a vida de uma pessoa. Este caso se torna ainda mais grave quando nem sequer existe risco de vida para outros pacientes envolvidos, pois, em tais circunstâncias, não se pode alegar a aplicação do princípio do mal menor. Uma lei que obrigue um médico a eliminar uma vida sem haver circunstâncias extremas que impossibilitem o seu salvamento é uma lei intrinsecamente perversa e oposta aos próprios propósitos da medicina.

É com base nestes princípios de ética geral e no compromisso fundamental de todos os médicos em defesa da vida que cerca da metade dos profissionais do Hospital Alberto Antranik Eurnekian estão se recusando a praticar abortos.

Juan Ciruzzi, diretor desse hospital situado no município de Ezeiza, na Grande Buenos Aires, declarou ao jornal argentino Clarín que os profissionais da entidade estão tecnicamente preparados para realizar abortos, mas muitos deles demonstram forte oposição ética:

“Entre os servidores da área de Ginecologia e Obstetrícia, que estão envolvidos nesses casos, há 50% que se declararam contra o procedimento”.

Segundo a nova legislação argentina sobre o aborto, aprovada em 30 de dezembro de 2020 após intenso lobby de organizações internacionais e apesar da contrariedade da maioria da população do país, todas as mulheres argentinas maiores de 16 anos e mentalmente capazes têm o assim chamado “direito” de abortar, até a 14ª semana de gestação, sem necessidade de apresentar quaisquer justificativas. As menores de 16 anos também têm o mesmo “direito”, mas precisam do consentimento dos pais.


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