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Protestos dos 20 centavos e JMJ Rio 2013 completam 10 anos: o que mudou?

Papa Francisco JMJ Rio de Janeiro 2013

Tânia Rêgo-ABr | (CC BY 3.0 BR)

Papa Francisco na JMJ do Rio de Janeiro em 2013

Francisco Vêneto - publicado em 05/05/23

Já vem aí a JMJ Lisboa 2023: o que restará dela em 2033?

Há um ditado popular, dizem que chinês, segundo o qual “quem quer arrumar o mundo, que comece arrumando as suas próprias gavetas”.

Cerca de dez anos atrás, uma euforia cívica generalizada tomava conta das ruas do Brasil. Era junho de 2013. Milhares de jovens participavam da sua primeira manifestação política e se diluíam na multidão que gritava contra tudo e contra nada ao mesmo tempo, sem saber ao certo o que estavam fazendo ali. Outros tantos ocupavam as avenidas com a consciência aparentemente mais clara, com propostas mais específicas, ainda que longe de unitárias, e pareciam saber com mais objetividade o que queriam rejeitar e o que queriam conquistar.

No mês seguinte, julho de 2013, durante a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, aconteceu basicamente a mesma coisa, trocando-se a euforia cívica pela religiosa e os anseios sociais pelos de tipo espiritual. No mais, a proporção de jovens levados pelo entusiasmo fugaz e a de jovens realmente conscientes do porquê de estarem ali talvez fossem bem parecidas com as dos protestos do mês anterior.

Havia, porém, um denominador comum entre todos aqueles jovens, tanto em junho quanto em julho de 2013: o desejo essencialmente humano de “mudar o mundo”.

Mas quantos deles será que estavam dispostos a começar pelas suas gavetas? Quantos será que estavam dispostos a mudar primeiramente a si próprios para melhor, antes de quererem que “os outros” mudassem?

O esquecimento ou desconhecimento daquele ditado tão simplório e tão efetivo é a principal explicação para o resultado minguado de todo aquele barulho. Simplesmente não podemos mudar os outros se não começamos com a mudança de nós mesmos.

20 centavos

E o fato é que, pouquíssimo tempo depois dos protestos de junho, o furor popular murchou, a seleção de futebol venceu a Copa das Confederações (mesmo que fosse apenas para desabar no 7×1 da Copa do Mundo em casa já no ano seguinte), os políticos se esqueceram subitamente das promessas que tinham feito para o Gigante voltar ao berço esplêndido e, de líquido e certo, a maior conquista das manifestações de junho de 2013 parece que foram mesmo 20 centavos. A referência é ao aumento de 20 centavos na tarifa do metrô de São Paulo, que acabou sendo provisoriamente cancelado devido aos protestos.

Mas os 20 centavos passaram a simbolizar muito mais do que o custo extra do metrô paulistano.

O próprio Papa Francisco foi apresentado a várias realidades brasileiras de 20 centavos logo após desembarcar no Rio de Janeiro e ver o seu carro literalmente perdido em meio à multidão, fora do percurso previsto, com um polêmico orçamento de milhões de reais para a segurança transformados em sete ou oito homens de terno, a pé, que tentavam, aos empurrões, conter os fiéis emocionados com um papa que passava de Fiat com a janela aberta. Era como se aquela cena proclamasse: “Esta é, Papa Francisco, a segurança pública brasileira. Ela custa milhões, mas vale 20 centavos. Esta é, Papa Francisco, a capacidade de planejamento das nossas autoridades. Ela custa bilhões, mas vale 20 centavos”.

No mesmo dia, ao receber o papa, a presidente Dilma Rousseff extrapolou com folga o tempo programado para o seu discurso e aproveitou para fazer propaganda partidária. “Esta é, Papa Francisco, a política brasileira. Entra partido, sai partido, ela abusa da liturgia da palavra e faz o eterno milagre de transformar trilhões em 20 centavos”.

Logo depois de encerrada a recepção em palácio, as ruas dos arredores se transformaram em campo de batalha, com coquetéis molotov contra bombas de efeito moral, em meio a recíprocas acusações de truculência entre as partes envolvidas. “Este é, Papa Francisco, o nosso diálogo democrático. Ele tem valido 20 centavos”. Atenção: estamos falando de 2013.

No dia seguinte, enquanto os jornais do planeta apresentavam ao mundo os vários 20 centavos com que o papa tinha sido recebido no país do futuro, centenas de peregrinos no Rio de Janeiro não puderam ir à missa de abertura da JMJ porque o sistema carioca de metrô tinha simplesmente parado. “Este é, Papa Francisco, o transporte público brasileiro: ele não vale 20 centavos, mas ficou provisoriamente 20 centavos mais barato em junho de 2013 porque esta foi a única demanda popular em torno da qual o nosso país se uniu massivamente nos últimos 20 anos”.

JMJ, uma segunda chance

Naquele contexto, e considerando-se que “os jovens de junho de 2013” tinham rapidamente se rendido e voltado ao berço esplêndido em troca de 20 centavos, a Jornada Mundial da Juventude se apresentava como uma espécie de segunda chance para que os jovens católicos mostrassem ao país uma proposta de sociedade baseada em valores mais elevados que duas moedas de troco.

Na época, de fato, um jovial Papa Francisco propunha várias mudanças emblemáticas e ele mesmo dava o exemplo de como pô-las em prática, iniciando pelo Vaticano: comedimento e critério claro no uso dos bens materiais; prestação de contas e transparência na gestão; ênfase no comprometimento com as pessoas relegadas à “periferia da existência”; punição aos criminosos de batina e sem batina; ouvidos abertos à diversidade de opiniões; reforço da firme defesa dos direitos dos idosos, dos nascituros, dos pobres e dos migrantes; denúncia da cultura do descarte; simplicidade cotidiana num mundo que ardia mais do que nunca em futilidades…

Passaram-se dez anos.

Dos jovens que foram às ruas para protestar em junho de 2013 restaram sinais insuficientes de que se pudesse esperar a mudança que eles próprios exigiam dos outros. Provou-se muito mais fácil, afinal, “mudar o mundo” nas boas intenções do que arrumar de fato as próprias gavetas.

A julgar pelas voltas que o Brasil deu para chegar a 2023 com as mesmas mazelas de 2013, mas com menos iniciativa cidadã e ainda menos percepção de liberdade, é o caso de nos questionarmos quanto obtivemos de saldo além dos 20 centavos.

E quanto aos jovens da JMJ do Rio de Janeiro? Será que estão proporcionando aos seus filhos um mundo melhor com base nas melhoras que, supõe-se, eles implantaram na própria vida ao longo desta década? Ou as gavetas deles também continuam, até hoje, à espera de algum outro que as arrume?

Dentro de menos de três meses, é a vez da JMJ de Portugal. É oportuno começarmos a nos perguntar concretamente o que queremos que reste dela em 2033.

Tags:
JMJJovensPapa FranciscoPolítica
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