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De volta ao tema da evangelização

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 02/07/23

O ressentimento que nasce do cancelamento cultural sofrido pelos cristãos e a proliferação de ideologias que parecem ameaçar a fé e/ou a própria dignidade da pessoa humana tornam essa reflexão ainda mais importante

Existem muitos temas recorrentes na doutrina católica, aos quais devemos voltar periodicamente. A evangelização é um desses temas. O Concílio Vaticano II produziu um documento especificamente dedicado a esse tema, a Evangelii Nuntiandi (EN), onde a evangelização é definida como “a missão própria da Igreja, uma vez que a Igreja existe para evangelizar” (EN 14). O ressentimento que nasce do cancelamento cultural sofrido pelos cristãos e a proliferação de ideologias que parecem ameaçar a fé e/ou a própria dignidade da pessoa humana tornam essa reflexão ainda mais importante.

Talvez nosso problema, quanto à evangelização, é pensá-la como uma tarefa específica de alguns “missionários” e não como uma dimensão de nosso cotidiano – uma vez que passa não só pelo anúncio formal, mas também pelo testemunho que damos com nossas vidas. Compreender o testemunho não quer dizer acrescentar uma obrigação a mais a nossa vida, mas sim darmo-nos conta do fascínio que nos encanta (ou, ao menos, deveria nos encantar).

O encontro com Cristo que atrai

Na homilia da missa de abertura da Conferência do CELAM em Aparecida (2007), Bento XVI declarou: “A Igreja não faz proselitismo. Ela cresce muito mais por ‘atração’: como Cristo ‘atrai todos a si’ com a força do seu amor, que culminou no sacrifício da Cruz”.  A mesma ideia foi depois repetida várias vezes pelo Papa Francisco: “A Igreja cresce não por proselitismo mas por atração […] a fé transmite-se por atração, ou seja, por testemunho” (Meditação, 3/mai/2018, cf. também Evangelii gaudium, EG 14). 

Em outra passagem famosa, que também é frequentemente citada por Francisco, Bento XVI diz que “ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (Deus caritas est, DCE 1). A evangelização é o anuncio ao mundo do encontro com essa Pessoa, mas frequentemente nos envolvemos mais com as decisões éticas e as grandes ideias – que não estão “fora” do evento cristão, mas não são seu fundamento, nem podem ser absolutizadas, sob o risco de se impor aos demais uma visão particular do mundo e não o próprio Deus feito homem.

Presos às nossas ideias e armadilhas morais (pois é isto que são nossas éticas humanas, quando apenas revestidas de uma roupagem religiosa) podemos até atrair aos demais, mas apontamos apenas para nós mesmos, não para Cristo. E esse é um tempo de atrações fáceis… Vivemos na “sociedade do espetáculo”, cheia de ídolos e influenciadores que nos atraem até mesmo por sua superficialidade: apresentam um modelo de realização que parece acontecer sem esforço, um novo mundo paradisíaco, com o qual podemos sonhar ou no qual podemos simplesmente esquecermo-nos de nós mesmos. Até na Igreja, os mestres da fé, que orientam num caminho ascético e existencial, muitas vezes estão sendo substituídos por influenciadores que vendem ideias bonitas – até justas – mas não propõem um verdadeiro processo de conversão a Deus.

Mas voltemos aos aspectos positivos do anúncio cristãos…

A vida que é realmente saborosa de se viver

O que, nesse encontro, atrai tanto o ser humano? Fomos feitos para Deus e nosso coração só repousa em Deus, segundo a célebre passagem das Confissões de Santo Agostinho (Livro I, Capítulo 1). Mas essa afirmação pode parecer ainda um pouco distante. Talvez possamos entende-la melhor lendo o poema O convertido, escrito por G.K. Chesterton quando, já adulto, foi batizado. Em seus últimos versos diz: “E todas essas coisas são para mim menos que pó / Porque meu nome é Lázaro e estou vivo”.

Todas as coisas parecem, para Chesterton, “menos que pó”. Imaginaríamos uma comparação na qual ele diria ter encontrado agora o verdadeiro tesouro. Mas ele é, simultaneamente, mais singelo e mais radical: tudo é como pó porque ele é como Lázaro, o que estava morto, e agora está vivo. Mais do que nunca, somos parte de um mundo onde os seres humanos anseiam por viver. As redes de informação, as imagens que vem de todos os cantos, o conhecimento de uma infinidade de experiências individuais, nos apontam possibilidades aparentemente infinitas, enquanto a dura realidade mostra vidas amesquinhadas, reprimidas pelas expectativas e cobranças de outros, limitadas pela falta de recursos, humilhadas pela truculência e a injustiça dos poderosos. Nunca antes se viram tamanhas possibilidades e, ao mesmo tempo, se teve tanta consciência das próprias impossibilidades.

Voltemos a Chesterton: a vida que parecia murchar na mesmice de sempre ou chafurdar na desesperança, agora adquire o esplendor e o brilho que lhe faz afirmar “estou vivo”. Esse é o grande anúncio dos cristãos, desde as escuras catacumbas romanas até a virtualidade dos podcasts e das redes sociais. Não apenas estão biologicamente vivos, estão vivos porque descobriram algo que dá um verdadeiro sentido e gosto a suas vidas. Existe uma correspondência entre os anseios de nosso coração e o encontro com Cristo – e essa correspondência se manifesta como o encontro de uma vida que vale a pena ser vivida.

Por isso, o que muitas vezes imaginamos como testemunho cristão não corresponde ao testemunho que realmente devemos dar, aquele que corresponde ao anseio dos corações. Queremos testemunhar nossa coerência moral, mas o que o mundo espera que testemunhemos é que estamos vivos, que nossa vida tem aquele gosto, aquela realização, que todos os avanços tanto materiais quanto espirituais da sociedade moderna não conseguem garantir. A grande pergunta que somos chamados a responder todos os dias é “você é verdadeiramente feliz? sua vida realmente tem sentido?”. Importante entender que essa “felicidade” não quer dizer que tudo esteja dando certo, não se trata de um “jogo do contente”, mas sim uma felicidade que nasce da percepção de que o amor e o carinho de Deus recobre toda a nossa vida, mesmo nos momentos de dor, que nossa humanidade está se realizando apesar de todas as limitações.

Em conclusão

Por isso, não é exatamente que “queiramos ser evangelizadores”, como se esse fosse um projeto nosso – ainda que, devido à complexidade tanto da sociedade quanto da instituição eclesial, tenhamos que fazer projetos de evangelização. O problema é que, se somos verdadeiros conosco mesmo, não conseguimos não ser evangelizadores, pois o encontro com Cristo não sai do coração e da memória – é o critério de discernimento que tende a orientar todos os momentos.

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