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A experiência de ser livre

Kobieta odpoczywa patrząc na panoramę miasta

Chinnapong | Shutterstock

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 09/07/23

Ao longo do seu crescimento, da infância até a idade adulta, a pessoa vai ganhando condições cada vez maiores de exercer sua liberdade, tanto interior quanto exterior. Entenda:

O que é ser livre? A pergunta pode parecer abstrata e filosófica, mas todos nós a fazemos, para nós mesmos, quase todos os dias. Poucas questões impactam tanto a nossa vida quanto essa resposta. Se existe um consenso em nossa cultura, é o consenso quanto a importância da liberdade. Religiosos e ateus, ricos e pobres, famosos e desconhecidos, todos nós acreditamos que precisamos ser livres para sermos felizes. Mas, como tudo que é importante em nossa cultura plural e crítica, a percepção do que a liberdade é realmente permanece confuso na consciência das pessoas. Além disso, quando observamos tanto a história da civilização quanto a história das pessoas, os momentos de liberdade parecem ser muito mais raros que as situações de privação de liberdade, como a escravização dos fracos ou as pequenas submissões que somos forçados a viver cotidianamente. 

O Catecismo da Igreja Católica (CIC) lembra que “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou (Gl 5, 1). N’Ele, nós comungamos na verdade que nos liberta. Foi-nos dado o Espírito Santo e, como ensina o Apóstolo, onde está o Espírito, aí está a liberdade (2 Cor 3, 17). Já desde agora nos gloriamos da liberdade dos filhos de Deus (cf. Rm 8, 21)” (CIC 1741). O mesmo Catecismo define a liberdade como “o poder, radicado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, praticando assim, por si mesmo, ações deliberadas” (CIC 1731), mas adverte que “não há verdadeira liberdade senão no serviço do bem e da justiça” (CIC 1733).

Tais formulações do Catecismo, ainda que corretas, têm o problema de não serem muito compreensíveis para quem não está familiarizado com a doutrina católica e seu modo de se expressar. Aqueles que estão inquietos e a procura de um sentido para sua vida, os agnósticos bem-intencionados, os jovens questionadores, podem simplesmente se opor a elas por não as entenderem ou por não terem visto o testemunho de vidas realmente transformadas pelo encontro com Cristo. Por isso, vale a pena tentar explicitá-las em outros termos.

Três exemplos

O que é a liberdade? É a capacidade de poder escolher aquilo que nos realiza humanamente. Quem opta pelo mal não pratica a própria liberdade porque o ser humano só se realiza verdadeiramente na experiência do bem. Num tempo de relativismo, onde muitos dizem que o bem e o mal são relativos, essas ideias podem parecer ainda confusas ou mesmo ideológicas, mas exemplos concretos podem nos ajudar a entendê-las melhor.

O jovem usa seu livre-arbítrio para optar por consumir drogas e vai se tornando dependente delas. Ele usou sua capacidade de escolha, mas não sua liberdade. Optou por um caminho onde suas potencialidades humanas e até mesmo seu livre-arbítrio serão cada vez mais limitados pelo efeito das drogas. Não escolheu aquilo que o realizaria mais, usou de sua autonomia, mas não de sua liberdade.

O desejo, apesar de muitas vezes apresentar-se de forma confusa e até falsa, é sempre um indicativo de por onde se realiza nossa liberdade. A jovem deseja muito ter um namorado. Acredita que se realizará vivendo o amor com outra pessoa. É verdade, mas ela encontra um rapaz possessivo e egoísta, que a manipula e chantageia, sem dar-lhe espaço para ser ela mesma. Ainda que estivesse realizando um desejo profundo e verdadeiro, ela não faz a experiência da liberdade, pois falta-lhe a gratuidade no amor – não por erro seu, mas do namorado. A liberdade implica numa experiência de plenitude para acontecer integralmente.

A liberdade também pode se manifestar como submissão. É o caso do pai de família que se submete a um trabalho estafante para garantir o sustento de seus filhos. Ele aparentemente perdeu sua autonomia tanto no ambiente de trabalho quanto na família. Na verdade, realiza sua liberdade nesse gesto, sua humanidade se dilata ao saber que está fazendo alguma coisa por aqueles a quem tanto ama, ao perceber-se capaz de sacrifícios por amor. Sua vida pode estar mais difícil, mas sua humanidade se realiza nesses gestos. A liberdade é escolher o bem, e o bem é consequência de um amor verdadeiro.

Autonomia não é liberdade

O exemplo do jovem mostra claramente uma das grandes falácias dos tempos atuais: identificar a autonomia com a liberdade. O livre-arbítrio é uma condição para a liberdade, mas não lhe basta. Não estamos falando aqui de coisas “relativas”: aquilo que reduz nossas potencialidades, mesmo que realizado com autonomia, não nos faz mais livres – e esse é um dado objetivo. Podemos supor que uma pessoa opta por não ter suas potencialidades plenamente realizadas, que prefere perder sua noção da realidade, mas isso não a tornará mais realizada, mais livre. Será uma perda humana, mesmo que cause um certo alívio existencial.

Na situação oposta, uma perda de autonomia pode não ser uma diminuição, mas sim um aumento de liberdade, se vem de um ato de amor. A realização de um amor verdadeiro é sempre uma expansão da nossa liberdade. O problema do exemplo da jovem era a má compreensão do que é o amor, sua falsa realização nas mãos de um namorado egoísta. Quem pensa o amor como satisfação de um desejo egoísta, que não compreende que o amor se realiza integralmente no gesto de doação de si, não consegue entender o que é ser livre.

Descobrir a própria liberdade

Pensamos aqui principalmente no que podemos definir como “liberdade interior”, pois essa é a que se mostra mais confusa em nossa cultura. Evidentemente existe também uma “liberdade exterior”, que pode ser comprometida pela escravização forçada, por um governo ditatorial ou mesmo por uma relação afetiva abusiva.

Ao longo do seu crescimento, da infância até a idade adulta, a pessoa vai ganhando condições cada vez maiores de exercer sua liberdade, tanto interior quanto exterior. Um drama da juventude, cada vez mais carregado pela vida inteira em nossa sociedade, é a contradição entre a liberdade desejada e a liberdade realmente desfrutada. As crianças e os jovens aspiram por uma autodeterminação que frequentemente ainda não têm condições efetivas de assumir. Por outro lado, os adultos frequentemente exercem seu poder de mando sem se questionarem se estão mesmo ajudando os jovens a se desenvolverem e se tornarem mais livres.

Descobrir a própria liberdade e ajudar o outro a descobrir a sua é sempre uma experiência desafiante e fascinante. Uma graça que Deus concede àqueles que o procuram com coração sincero.

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