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Por que brincar com os filhos, mesmo que eles sejam adolescentes

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Edifa - publicado em 18/12/20

Mesmo que a sua vida seja muito agitada ou você apenas não goste de brincar, nunca é tarde para voltar a se divertir com seus filhos. Tirar tempo para estar e brincar com seus filhos traz muitos benefícios, tanto para eles quanto para você

Mimadas demais, algumas crianças não sabem mais simplesmente se divertir. Os adultos, por sua vez, perderam a vontade de brincar. Com a aproximação do Natal, a psiquiatra Patrice Huerre, autora do livro Dando lugar ao jogo (em tradução livre) nos convida a redescobrir as virtudes dos jogos compartilhados em família.

Como você percebeu a conexão entre o sofrimento do adolescente e a falta de brincadeiras na infância?

O jogo atua como um intermediário entre nós e a realidade. Quem não joga não consegue se distanciar do mundo exterior, do outro. Têm dificuldade em compreender e observar a realidade, de forma a entrar em sintonia com ela.

Por exemplo, uma criança que não teve tudo o que queria e se sentiu frustrada, ao imergir no mundo do jogo, reproduzirá a cena do momento de frustração com sua boneca ou carrinhos de brinquedo e “acertará contas” com seus pais “perversos” sem que isso leve a consequências mais graves. Quem não tem essa aptidão vai ficar pensando e ruminando o acontecido, não consegue superar esse aborrecimento. Daí surgem frequentemente adolescentes que agridem os pais verbalmente e até fisicamente quando não conseguem aquilo que querem. Outros usarão a briga e a violência como a única saída para expressar seu descontentamento.

O mesmo se aplica à aprendizagem escolar. Uma criança que não consegue brincar se sentirá magoada quando receber uma nota ruim. Por outro lado, outro que aprendeu a se adaptar, entenderá que a prova julga apenas seus resultadosescolares, e não ele mesmo como pessoa. Ele manterá o desejo de aprender.

Para alguns pais, diversão, flexibilidade e fluidez não têm lugar. Querendo se sair bem no papel de pais, eles estimulam o filho desde cedo e cobrem-no de brinquedos. Mas o ajudariam muito mais se divertindo com ele e reservando um tempo para brincar. A verdadeira motivação para aprender é a diversão. Vejo crianças desmotivadas, fechadas em si mesmas, recusando qualquer novo aprendizado devido a overdose de estimulação dos pais. É comum que elasapresentem um curso aparentemente satisfatório durante a infância, mas na faculdade, tudo começa a dar errado. A ausência de brincadeiras esterilizou aos poucos o seu desejo de pensar.

Você fala sobre o prazer de aprender. Os jogos educativos também permitem que você descubra esse prazer?

Sim, mas jamais substituirão um mundo imaginado a dois ou três através de pedaços de barbante e papelão, momentos de troca e criação sem um objetivo específico. No jogo, cada participante tem a sua fala. Ele traz de si mesmo, contribuindo para uma criação comum. E, além disso, esses momentos de compartilhamento são uma fonte de prazer.

Quais são as virtudes do jogo?

Além de estimular a criatividade e a curiosidade, o brincar tem uma função socializadora. A criança aprende a maneira correta de conviver com os outros, sem evitar contato, sem se estressar. O jogo também ajuda a adquirir habilidades que preparam para a vida adulta. A criança é então como o passarinho que aprende a fazer seu ninho olhando para os pais. Assim, ela brinca de “faz de conta”. O jogo também é uma forma de nos conhecermos. Observe a conexão entre as crianças quando brincam juntas. Antes do jogo poderia haver uma desavença, depois, tudo pode mudar.

Além disso, o jogo dá direito ao erro ao permitir remodelar infinitamente as situações, inventar novas aventuras de acordo com a sensibilidade, o estado de espírito ou o do outro. Nada é definitivo: a menina que ontem foi a professoraserá aluna no dia seguinte; o sapo se tornará rei e se casará com a princesa. Mas se, ao contrário, a distribuição de papéis é sempre a mesma, se a criança parece presa a um padrão (de vítima, por exemplo), os pais devem intervir, conversar com ela sobre essa situação e, se ela desejar sair disso, dar-lhe os meios.

Finalmente, na idade adulta, o jogo confere uma capacidade de melhor regular os impulsos agressivos, evitando o retraimento. A criança que se diverte inventa espaços intermediários. Da mesma forma, os adultos encontrarão prazer e conforto em objetos transicionais como a música, a contemplação de uma pintura, uma peça de teatro, etc. Os objetos e atrações culturais são um pouco como “ brinquedos ” dos adultos!

É preciso necessariamente ter várias pessoas para jogar?

Para se divertir sozinho, é preciso ter descoberto a alegria de se divertir juntos. Desde cedo, os pais abrem as portas do mundo imaginário do jogo. Assim, a mãe brinca com as mãos do bebê, faz sons diferentes, etc. A própria criança descobre sua boca, suas mãos, seus pés. A partir dos 6 meses, um objeto (chocalho, ursinho de pelúcia, bola de tecido) passa a ser uma fonte de prazer que lhe permite esperar outras satisfações (comida, carícias, palavras). Este objeto serve mais ou menos como um substituto. Mais tarde, os jogos continuam a fazer parte do dia a dia e melhoram. Todas as situações permitem que você se divirta: preparando um prato na cozinha, na hora do banho, com as caixas espalhadas no corredor. Também aparecem outros recursos como o uso de sons, palavras, ideias, humor. Além disso, qualquer coisa que o pai ou o adulto transmita nessa direção incentiva a criança.

O adolescente ainda consegue brincar?

Preocupado com as mudanças corporais que estão ocorrendo, às vezes sobrecarregadas pela imaturidade emocional, o adolescente geralmente não se mostra muito disponível. Sua falta de segurança interna dificulta o envolvimento em jogos que exijam um mínimo de flexibilidade. Uma mostra disso é a facilidade como aparecem conflitos, pois tudo é levado ao pé da letra.

Os pais não estão na melhor posição para oferecer atividades divertidas aos filhos. Adultos externos costumam ter mais sucesso nessa tarefa. Mas isso não é motivo para os pais desistirem. Ofereça jogos, tente surpreender, caso contrário o adolescente se sentirá abandonado. O ideal é que os pais encontrem atividades que permitam o intercâmbio e a comunicação, como esportes ou passeios culturais.

Existem crianças que não brincam?

Sim, infelizmente, ou porque ninguém jamais as levou a brincar, ou porque sofrem de alguma patologia. Toda criança tem potencial para brincar que precisa ser desenvolvido. Os pais também devem aceitar que a criança não está “fazendo nada”. Esse não é um tempo perdido. Imersa em seu mundo interior, ela brinca com seus pensamentos, com cenários elaborados.

Crianças são muito ativas, portanto, a alternância entre momentos de calma e ação é necessária e benéfica: nossa vida não está apenas em fluxo como na indústria automotiva! Quantos adultos não suportam ficar sozinhos e preenchem o vazio com todos os tipos de atividades e ruídos (TV, música, celular)? A inação os preocupa, e demonstra um provável ressurgimento da falta de segurança da infância.

Como os adultos podem recuperar o desejo de brincar quando estão absortos em suas ocupações ou quando simplesmente não gostam de brincar?

Se, para um pai ocupado e estressado, brincar é uma tarefa árdua, é melhor que ele não o faça, pois a criança encararia os jogos como algo tedioso.  Mas existem muitas oportunidades e formas diferentes de jogar. Por exemplo, divertir-se respondendo à perguntas juntos: “Por que o céu é azul?”, ou ainda organizando uma caça ao tesouro durante um passeio num parque. Comece identificando o que faz a criança feliz. Você gosta de literatura? Conte histórias, invente-as juntos! Você gosta de cozinhar? Experimente receitas a quatro mãos.

Sem olhar para a duração do jogo, é a qualidade da aproximação entre a família que deve ser observada. Esses momentos trazem alegria compartilhada e geram memórias nutritivas. Veja, por exemplo, como a primeira receita feita com nossa mãe ou nossa avó pode nos marcar a ponto de querer passá-la também para os nossos filhos!

Os videogames, que oferecem um mundo já constituído, podem refrear a imaginação e a capacidade de brincardas crianças?

O problema da TV, dos videogames e de qualquer outro brinquedo é o seu uso. Que relação a criança tem com ele? Para descobrir, incentivo os pais a observar melhor como é o jogo. Familiarize-se com os videogames, os programas de TV, os vídeos que o seu filhos gostam. Assim, você poderá regular melhor seu uso.

Alguns pais permitem que seus filhos leiam cinco horas por dia. Mesmo que a leitura seja preciosa, ela é, no entanto, um sinal de um afastamento da realidade, ou mesmo de um vício. Se eles passam muito tempo ligados a uma atividade só, se se fecham em si mesmos, isso se torna preocupante. Mas se o uso é moderado, por que se privar dessa tecnologia?

Então há jogosbons e ruins?

Além de jogos amorais ou que façam apologia à violência, não vejo nenhum jogo ruim. Fico maravilhada com a capacidade das crianças de transformar qualquer objeto em brinquedo, qualquer lugar em playground. Quanto aos jogos muito sofisticados, a criança costuma usá-los uma vez, depois os abandona no canto da sala.

Então, para o Natal, você é mais fã do minimalismo?

Os brinquedos são úteis quando facilitam o estabelecimento de relações lúdicas. É frustrante para a criança ouvir como resposta: “Não tenho tempo!”. A pressão atual leva os pais a buscarem receitas psicológicas, soluções complicadas, quando têm na mão uma forma muito simples de cuidar de seus filhos: sua presença e o tempo dedicado a eles.

Bénédicte de Saint-Germain

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