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Como conviver com pessoas com transtorno mental na família?

MULHER AO AR LIVRE

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Edifa - publicado em 10/03/21

A doença mental não afeta apenas a pessoa que vive. A vida de quem está ao redor vira de cabeça para baixo. A seguir encontre o conselho de um especialista para acompanhar um ente querido no caminho às vezes tortuoso da doença mental

As doenças mentais são o destino de muitas pessoas em todo o mundo. As famílias envolvidas muitas vezes se isolam, fechando-se junto a seus fardos. Exceto durante eventos dramáticos, o silêncio costuma reinar sobre essas famílias. Por ocasião do Dia Mundial da Esquizofrenia, Jean Canneva, ex-presidente da União Nacional Francesa de Amigos e Famílias de Doentes Mentais dá conselhos a famílias que têm dificuldades em viver com um ente querido que sofre de doença mental.

O que é uma doença mental?

Este termo não denota dificuldades menores ou momentâneas, mas doenças graves. A doença mental é progressiva, e não é uma consequência de pequenas deficiências intelectuais. Essas doenças marginalizantes costumam aparecer desde a adolescência. Seu principal sintoma costuma ser um problema de relacionamento consigo mesmo e com os outros. No início, é difícil distingui-la dos transtornos clássicos que vivem os adolescentes. A patologia é detectada através da persistência e do agravamento dos sintomas. A autonomia da pessoa passa a ficar reduzida; começam a surgir ideias, comportamentos obsessivos e descontrolados, criando vícios que podem ser quase intransponíveis. A doença empede a liberdade de expressão da pessoa, por seu caráter excessivo e interminável.

Quais são as diferentes doenças mentais?

Nós distinguimos neuroses de psicoses. No primeiro caso, as soluções são mais fáceis de encontrar (a pessoa sofre de sintomas como uma depressão temporária). Em princípio, quanto mais jovem a pessoa, mais falamos sobre neuroses. Um transtorno mental é infinitamente menos sério quando toca um adolescente e traz uma probabilidade bem maior de se recuperar do que quando ocorre na idade adulta. As psicoses, por sua vez, incluem esquizofrenia e depressão maníaca, que se manifestam em graus muito diversos. A palavra psicose, portanto, abrange realidades muito diferentes, mas na maioria das vezes encontramos sintomas de grande fragilidade e isolamento dramático.

Quais são os sinais que podem alertar as pessoas ao seu redor?

Há dois sinais principais a decifrar: uma espécie de excitação, até mesmo de delírio, com ciclos repetitivos (mais visíveis), ou uma ansiedade (mais escondida: medo da multidão, do passar do tempo, de morrer…). Estas são certamente duas expressões “clássicas” de sensibilidade, mas a doença mental as “radicaliza” e impede a passagem de um estado a outro com facilidade. Essa dificuldade de adaptação causa uma defasagem com o seu meio ambiente e, portanto, sofrimento. Cada um de nós pode experimentar alguma vez na vida a ansiedade existencial, mas ela é normalmente é compensada por atividades criativas ou hobbies que nos ajudam. Para pacientes psíquicos, essa falha permanece aberta. A inteligência em si não é afetada, mas o doente não consegue usá-la adequadamente. Esses distúrbios não se devem, no entanto, a uma fraqueza de caráter, mas a fatores biológicos, psicológicos e sociais. Esta situação é difícil de explicar. A doença mental é diferente de tudo: o paciente, sua família e aqueles que o acompanham ainda se deparam com uma realidade desconhecida.

É difícil para os pais não se sentirem culpados: “O que fizemos de errado em nossa educação para que nosso filho chegasse a esse ponto?” O que você responde a eles?

O risco é o mesmo em todos os países, em todos os círculos sociais e profissionais. Não é culpa de ninguém! Internalizar essa sensação de esterilidade (que parece natural no início) mina, impede o avanço, complica e intoxica os relacionamentos. É um erro pensar que os pais foram os responsáveis por “fabricar” a doença. Ao contrário do que se acredita, e que gera um preconceito generalizado, a hereditariedade não é uma especificidade importante das doenças psiquiátricas. Outro preconceito, enterrado pelos psiquiatras, mas que ainda parece estar em alta, é o das chamadas mães “abusivas”: tomamos por causa o que pode ser apenas uma reação legítima ao filho que sofre! Minha segunda resposta: informe-se, para evitar qualquer remorso. Essas doenças não são bem compreendidas. Acima de tudo, não se isole, peça conselhos a outras famílias. Sozinhos nós somos péssimos juízes.

A partir de que momento é preciso buscar ajuda médica, e como convencer o doente e a sua família da necessidade de tratamento?

O acompanhamento ao doente deve envolver uma parceria com cuidadores e gestores sociais:indivíduos e famílias sozinhos, mesmo profissionais experientes, ficam desconcertados com a complexidade dos problemas encontrados. Como as estadias em estabelecimentos especializados agora são reservadas para períodos de crise, 80% dos pacientes com doenças mentais estão fora dos hospitais. As famílias são, portanto, as primeiras a serem afetadas.

A reação inicial, seja dos pacientes ou dos familiares, consiste em sentir-se culpado e isolar-se, quando a expressão da dificuldade é o primeiro passo a ser dado. Devemos estender a mão para as famílias que passam por uma dificuldade assim, estreitar os laços. Principalmente porque em 40% dos casos a pessoa ainda mora com os pais; e que em mais de 70% dos casos a família está muito envolvida. Os grupos de apoio também fazem muito bem às famílias. É impossível esconder o rosto por muito tempo (“Amanhã será melhor…”), porque sem ajuda e sem cuidados, os distúrbios serão cada vez mais pesados.

Por fim, sabemos que os períodos de remissão que suscitam novas esperanças, mas que alternam com novas recaídas, são cansativos para todos. A intensidade do sofrimento psíquico é terrível, é o argumento essencial para convencer um doente a ir ao médico. A pessoa se desvaloriza, se isola do seu meio ambiente. Ela não encontra causa nem significado para sua doença. Nesse momento, é necessária a ajuda de pessoas que não a julguem.

É apropriado consultar vários médicos? A ajuda de um psicólogo pode ser suficiente?

As doenças mentais são casos médicos. É bom ser acompanhado por um psicólogo, mas é insuficiente. A terapia deve ser aliada a medicamentos. Durante o adoecimento psiquiátrico o paciente adquire problemas relacionais e confrontos frequentes com o médico fazem parte da patologia. Os pacientes têm dificuldade em admitir que estão decepcionados com seus cuidadores, pois procuram infinitamente a pérola rara que os compreenderá. Portanto, se eles têm afinidades com um médico específico, deixe-os tentar caminhar com ele. Para garantir a continuidade do atendimento, deve-se evitar trocar de médico com muita frequência.

O paciente deve conhecer o seu diagnóstico?

Quando a pessoa é jovem, o diagnóstico é muito difícil. É por isso que muitos médicos se recusam a dar um nome ao distúrbio, que não é necessariamente patológico. Um segundo motivo que exige cautela é a multiplicidade de formas que essas doenças assumem. Enfim, a imagem que tem essas doenças é péssima: basta evocar os “clichês” do hospital psiquiátrico de outrora. Alguns pacientes aguentarão ouvir o diagnóstico, outros não.

O que fazer em caso de crise? Como evitar que o paciente fique ressentido com seus entes queridos em caso de internação forçada, por exemplo?

Em caso de crise, é necessário chamar os serviços de emergência, é impossível lidar sozinho com uma situação assim. Mas a atitude diante de uma crise deve ser pensada de antemão, na medida do possível. Deve haver um número especial ao alcance de todos para emergências psíquicas. Na pessoa que sofre, há um grito implícito de ajuda, uma necessidade de uma resposta externa. Se isso for feito com habilidade e em parceria, a tensão pode cair. Já vi internações em que o paciente fica feliz em ser atendido, ou que, depois de se oporem, ficam aliviados ao ver que queremos ajuda-lo a lidar com a situação.

Como melhorar a comunicação com esse ente querido que sofre e se isola?

Ouvir ativamente é muito benéfico. Tanto quanto possível, as trocas devem ser claras, precisas, baseadas na realidade e na confiança. Deixe que o relacionamento seja verdadeiro. Quem sofre percebe sinceridade ou simulação, ainda mais quando está com a sua sensibilidade no limite. A expressão do rosto, por exemplo, não deve contradizer observações positivas. Evite críticas, interpretações, sarcasmos, ameaças… A insatisfação deve ser expressa, mas sem acusar, e evitando misturar dimensões emocionais muito fortes. Devemos também aprender a lidar com a natureza crônica e imprevisível da doença. E ajudar outras famílias que passam pela mesma situação permite trocas verdadeiramente positivas que geram segurança mútua.


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