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Ainda a questão da ideologia de gênero

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Dom Orani João Tempesta - publicado em 10/06/20

Diante de tudo isso, que fazer? – Três são os caminhos gerais: 1) Formação; 2) Objeção de consciência e 3) Via judicial. Vejamos cada um deles

Muitas vezes o tema volta em nossos noticiários. São muitas crises e questões que temos que administrar cada dia. Porém é importante estar atentos a algumas questões importantes que definem a nossa caminhada para o futuro. Ao refletir sobre o assunto temos que deixar claro que a Igreja procura acolher a todas as pessoas a quem somos enviados por Cristo, porém é importante deixar claro as posições diante de imposições que desfiguram a vida das pessoas e o futuro da humanidade. Fiéis católicos e demais homens e mulheres de boa vontade pedem constantemente uma palavra sobre a ideologia de gênero. À essa temática candente oferecemos – uma vez mais –, como é nosso dever, algumas reflexões para o bem do Povo de Deus utilizando de textos de autores que aprofundam o assunto.

De início, definamos que é ponto de partida da ideologia de gênero o seguinte postulado: nós nascemos com um sexo biológico definido (homem ou mulher), mas, além dele, existiria o sexo psicológico ou o gênero que poderia ser construído livremente pela sociedade na qual o indivíduo está inserido. Desse modo, em última análise, não teria uma mulher ou um homem naturais. Ao contrário, o ser humano nasceria sexualmente neutro, do ponto de vista psíquico, e seria constituído socialmente homem ou mulher ou o que ele quisesse. Pois bem, isso tudo – por mais que se tente dizer o contrário – é uma tese, uma ideologia arquitetada nos Estados Unidos sem nenhuma base científica empírica.

Com efeito, sabe-se que “o inventor do termo ‘gender’ é um psicólogo americano, John Money, que nos anos 50 afirmava que a diferença homem-mulher é devida mais à educação do que ao biológico. Acompanha-o em seu pensar o psicanalista Robert Stoller, principal inventor da ideia de separação entre sexo e gênero (1960). O sexo aparece como uma marca do espaço corporal sem outra consequência sobre a vida psíquica, enquanto que o gênero é ao mesmo tempo a identidade sexual assinalada pela sociedade (o masculino e o feminino) e o que o sujeito vai escolher em sua orientação sexual. Ele poderá, assim, ter uma identidade heterossexual, bissexual, homossexual ou transexual e eventualmente mudar” (Pe. Rafael C. Fornasier na obra Gender: quem és tu? Campinas: Ecclesiae, 2015, p. 7).

Portanto, “a assim chamada ‘teoria’ (‘enfoque’, ‘olhar’ etc.) de ‘gênero’ é, na realidade, uma ideologia. Provavelmente a ideologia mais radical da história, já que, se fosse imposta, destruiria o ser humano em seu núcleo mais íntimo e simultaneamente acabaria com a sociedade. Além disso, é a mais sutil porque não procura se impor pela força das armas – como, por exemplo, o marxismo e o nazismo –, mas utilizando a propaganda para mudar as mentes e os corações dos homens, sem aparente derramamento de sangue” (Jorge Scala. Ideologia de gênero: neototalitarismo e morte da família. São Paulo: Katechesis, 2011, p. 11).

Ainda: se o termo ideologia pode (e, às vezes, até deve) ser comumente entendido como a “ciência das ideias”, ao tratar do gênero, conforme desejam seus mentores, essa ideologia há de ser entendida como “um sistema predefinido de ideias apriorísticas, a partir das quais a realidade é analisada preconceituosamente” (Pe. David Francisquini. Ideologia de gênero: saiba como defender sua família dessa nova ameaça. São Paulo: Artpress, 2017, p. 7). Ora, a consequência é clara: “para os defensores da ‘ideologia de gênero’, o termo assume assim um conteúdo ideológico, significando que o sexo morfológico com que a pessoa nasce não determina a sexualidade. Com isso, a sexualidade definida pela própria natureza passou a ser ideologicamente combatida” (idem, p. 9). Desse modo, quem insiste na doutrinação ideológica das crianças e adolescentes não dissemina conhecimentos científicos, como propagam, mas trabalham, de modo incansável, como se vê, por uma ideologia contra Deus.

Sim, isso o afirma a socióloga alemã Gabriele Kuby ao escrever que “a ‘ideologia de gênero’ é a mais radical rebelião possível contra Deus. É o ser humano não aceitando que é criado homem e mulher; e por isso diz: ‘Eu decido! Esta é minha liberdade!’. Contra a experiência, contra a natureza, contra a razão, contra a ciência! É a perversão final do individualismo, roubando ao ser humano o que lhe resta da sua identidade – ou seja, o de ser homem e mulher – depois de ter perdido a fé, a família e a nação” (ibidem, p. 10).

Estaríamos, se as revoluções marxista e de gênero, irmãs gêmeas, triunfassem, imersos num mundo anárquico e ditatorial, pois a liberdade que os ideólogos de gênero reivindicam para si não vale para quem ousa discordar de sua cartilha. A lógica desses revolucionários funcionaria mais ou menos assim: “Doutrinar crianças e adolescentes com ideologia de gênero, pode?” Eles mesmos responderiam: “Sim! Isso é progresso, ciência, laicidade, liberdade etc.”. Em contrapartida: “Falar de Deus, da prática da castidade, dos valores da família monogâmica e estável constituída por um homem e uma mulher para a mútua complementação e a perpetuação da espécie, pode?” Contra-atacariam esses mesmos pretensos defensores da liberdade, dizendo: “Jamais! Isso é retrocesso, anticientífico, dogmatismo cristão, intolerância etc.” O (a) prezado(a) leitor(a) percebe o engodo: a liberdade de mão única que dizem defender é uma atroz ditadura! Isso transparece muitas vezes nas publicações de nossas mídias.

Daí a pergunta: afinal, que deseja, então, a ideologia de gênero? – Deseja dizer um “Não” definitivo à diferença natural – desejada por Deus – entre homem e mulher que são diferentes, mas complementares. Brada essa ideologia radical: “Não ao heterocentrismo ou ao heterossexismo. Sim aos comportamentos sexuais alternativos que possuem uma legitimidade pelo menos equivalente ao do modelo atualmente dominante. ‘O eterno feminino’, ‘o eterno masculino’ e suas relações mútuas não passam de fantasmas socioculturais, não de realidades ontológicas e normativas” (Gender: quem és tu? Campinas: Ecclesiae, 2015, p. 38). Mais: “para Marie-Hélène Bourcier, por exemplo, os genders não são dois, cinco ou sete, mas inúmeros. Resultados de livres construções, existiriam tantos genders quanto indivíduos. ‘O que quer dizer’, comenta Michaela Marzano, ‘que cada indivíduo pode construir e inventar sua própria sexualidade, original e incomparável, que não há nem dois sexos nem dois genders, mas uma infinidade de escolhas possíveis’. Qualquer que seja o substrato sexual biológico de base, o ser humano pode, e deve, escolher seu gender e seu funcionamento sexual. E essa escolha pode evoluir durante a vida” (idem, p. 38-39).

Ainda: “Os radicais do gender conclamam a uma nova revolução cultural, política, jurídica, filosófica… total. Seu objetivo, notemos bem, não é antes de tudo a obtenção de uma igualdade de direitos entre homens e mulheres, diferentemente das feministas autênticas. Uma reivindicação assim não lhes interessa em nada e poderia até mesmo, em certos casos, se contrapor a seus planos. Sua ambição é muito mais radical e integral: levar os seres humanos e suas sociedades para além da diferença homem-mulher, para além da diferença sexual, para além do que consideram como um insustentável resíduo do colonialismo patriarcal e do machismo tribal” (ibidem, p. 43). Seria o fim da humanidade! Ora, quem leu até aqui pode estar se perguntando: diante de tudo isso, que fazer? – Três são os caminhos gerais: 1) Formação; 2) Objeção de consciência e 3) Via judicial. Vejamos cada um deles.

1) Formação: é importante ler as obras que aqui citamos e outras de igual valor sobre o tema. Só por meio de uma formação séria é possível filtrar as informações nem sempre fidedignas usadas pelos ideólogos de gênero contra a vida e a família tal como sonhada por Deus para a humanidade (cf. Gn 1,27; 2,24; Mt 19,5; Ef 5,31).

2) Aos professores e/ou pais colocados na iminência de ter de ensinar em sala de aula ou deixar os filhos participarem de disciplinas cujo material didático verse sobre esse conteúdo, alegue-se objeção de consciência. “Entende-se por objeção de consciência qualquer tipo de resistência à autoridade pública por motivos íntimos, ou seja, quando o cidadão julga, de modo bem fundamentado, que as determinações da autoridade são injustas e, por isso, não merecem a obediência, mas, sim, oposição. […] O recurso à objeção de consciência assegura que ninguém pode ser, legalmente, obrigado a fazer algo contra a consciência, especialmente ferindo seus valores morais e espirituais” (V. de Lima. Obedecer antes a Deus que aos homens. Amparo: Ed. do Autor, 2013, p. 7).

Ademais, a objeção de consciência é um direito humano que os funcionários públicos também devem ter, assinalou o Papa Francisco durante um voo a Roma (Itália), quando lhe perguntaram sobre casos que ameaçam o direito à liberdade religiosa. “Não posso ter em mente todos os casos de objeção de consciência que podem existir”, disse o Papa aos jornalistas durante o voo, “mas posso dizer que a objeção de consciência é um direito que faz parte [do conjunto] de todos os direitos humanos. Mais: se alguém não permite que outros sejam objetores de consciência”, disse o Santo Padre, “essa pessoa nega um direito”. Francisco assinalou que “a objeção de consciência deve ser respeitada nas estruturas legais, pois é um direito, um direito humano. Caso contrário, terminaríamos numa situação na qual escolheríamos o que é certo, dizendo: ‘Este é um direito em um mérito, este outro não’” (ACI Digital, 29/09/2015, online).

No âmbito da Constituição Brasileira, escreve o jurista Dr. Ives Gandra Martins: “Temos como matriz do princípio os artigos 5º, inciso VIII e 143, §1º, cujas dicções são as seguintes: ‘ART. 5º, INC. VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; (…) Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei. § 1º – às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar’. À luz destes dispositivos, pode-se estender a outras objeções o princípio, pois a interpretação da Constituição para direitos individuais é sempre extensiva e comporta a integração analógica” (Obedecer antes a Deus que aos homens. Amparo: Ed. do Autor, 2013, p. 31).

3) Recorrer aos meios legais. O Pe. David Francisquini escreve que “esse é um direito pouco divulgado, mas o professor é pessoalmente responsável pelos danos a causar no exercício das suas funções. No caso de haver ilegalidade ou abuso de poder por parte de alguma autoridade, cabe impetrar contra ela um mandado de segurança, alegando ameaça de violação do direito à integridade moral da criança ou adolescente (cf. art. 17, ECA). Os pais podem ainda ajuizar ação de reparação de danos morais, se seus filhos sofrerem constrangimento quanto ao uso dos banheiros e vestiários”.

“A lei facilita muito aos interessados propor essas ações de reparação de danos. As causas cujo valor não exceda 40 salários mínimos podem ser ajuizadas perante os Juizados Especiais Cíveis. Nessas ações não é necessário estar assistido por advogado (se o valor da indenização pleiteada for igual ou inferior a 20 salários mínimos). Não há cobrança de custas judiciais, ainda que a demanda for julgada improcedente. Não há também condenação a pagamento de honorários ao advogado da parte contrária (a não ser que o juiz reconheça litigância de má-fé). Caso haja recurso da sentença, neste caso a parte vencida será condenada a pagar custas e honorários advocatícios. Todos estes recursos estão à sua disposição para serem usados em defesa dos seus filhos e da sua família. O que não se pode, diante desses abusos, é permanecer inerte” (Pe. David Francisquini. Ideologia de gênero. São Paulo: Artpress, 2017, p. 18-19).

Eis o que, de momento, caberia dizer sobre a ideologia de gênero que sempre tenta – ora aberta, ora sorrateiramente – atacar nossas crianças e adolescentes por meios diversos. Estejamos atentos! São João Bosco, patrono da juventude, rogai por nós!

Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro

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