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Dia Mundial dos Pobres: homilia do Papa

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Photo by Alberto PIZZOLI / AFP

Vatican - publicado em 15/11/21

Íntegra da homilia do Papa Francisco na missa do dia 14 de novembro de 2021 na Basílica de São Pedro

As imagens utilizadas por Jesus, na primeira parte do Evangelho de hoje, deixam-nos apreensivos: o sol escurece, a lua deixa de dar claridade, as estrelas caem e as forças celestes são abaladas (cf. Mc 13, 24-25). Mas, pouco depois, o Senhor abre à esperança: será num momento assim, de total obscuridade, que há de vir o Filho do Homem (cf. Mc 13, 26); e agora já se podem contemplar os sinais da sua vinda, como quando deduzimos que o verão está próximo por ver que a figueira começa a cobrir-se de folhas (cf. Mc 13, 28).

Deste modo o Evangelho ajuda-nos a ler a história, captando dois aspetos dela: as dores de hoje e a esperança de amanhã. Por um lado, evocam-se todas as dolorosas contradições em que a realidade humana vive imersa em cada tempo; por outro, há o futuro de salvação que a espera, isto é, o encontro com o Senhor que vem para nos libertar de todo o mal. Vejamos estes dois aspetos, com o olhar de Jesus.

O primeiro aspeto: a dor de hoje. Vivemos numa história marcada por tribulações, violências, sofrimentos e injustiças, à espera duma libertação que parece nunca mais chegar. E os feridos, oprimidos e às vezes esmagados por tudo isso são sobretudo os pobres, os elos mais frágeis da cadeia. O Dia Mundial dos Pobres, que estamos a celebrar, pede-nos que não viremos a cara para o outro lado, não tenhamos medo de olhar de perto o sofrimento dos mais frágeis, para os quais aparece muito atual o Evangelho de hoje: o sol da sua vida é frequentemente obscurecido pela solidão, a lua das suas expetativas apaga-se; as estrelas dos seus sonhos caíram na resignação e acaba abalada a sua própria existência. Tudo isto por causa da pobreza a que muitas vezes se veem constrangidos, vítimas da injustiça e da desigualdade duma sociedade do descarte, que corre apressada sem os ver e, sem escrúpulos, os abandona ao seu destino.

Em contrapartida, existe o segundo aspeto: a esperança de amanhã. Jesus quer abrir-nos à esperança, arrancar-nos da angústia e do medo à vista da dor do mundo. Para isso assegura-nos: ao mesmo tempo que o sol se obscurece e tudo parece cair é precisamente quando Ele Se faz vizinho a nós. Nos gemidos da nossa dolorosa história, há um futuro de salvação que começa a germinar por entre os dramas da história. A esperança de amanhã floresce na dor de hoje. Sim, a salvação de Deus não é só uma promessa reservada para o Além, mas cresce já agora dentro da nossa história ferida – todos temos o coração enfermo –, abre caminho por entre as opressões e injustiças do mundo. Precisamente no meio do lamento dos pobres, o Reino de Deus desabrocha como as folhas tenras duma árvore e conduz a história para a meta, para o encontro final com o Senhor, o Rei do Universo que nos libertará definitivamente.

Chegados aqui, perguntemo-nos: Que se nos pede, a nós cristãos, face a esta realidade? Pede-se-nos para nutrir a esperança de amanhã, curando a dor de hoje. Estão interligados: se tu não caminhas curando as dores de hoje, dificilmente terás a esperança de amanhã. De facto, a esperança que nasce do Evangelho não consiste em esperar passivamente por um amanhã em que as coisas hão de correr melhor – isto não é possível –, mas em tornar concreta hoje a promessa de salvação de Deus: hoje, cada dia… De facto, a esperança cristã não é o ditoso otimismo, antes, diria o otimismo adolescente, de quem espera que as coisas mudem e, entretanto, continua a ocupar-se da vida própria, mas é construir dia a dia, com gestos concretos, o Reino do amor, da justiça e da fraternidade que Jesus inaugurou. Por exemplo, a esperança cristã não foi semeada pelo levita e o sacerdote que passaram ao lado daquele homem ferido pelos ladrões. Foi semeada por um estranho, por um samaritano que parou e realizou a ação (cf. Lc 10, 30-35). E hoje é como se a Igreja nos dissesse: «Pára e semeia esperança na pobreza. Aproxima-te dos pobres e semeia esperança». A esperança daquela pessoa, a tua esperança e a esperança da Igreja. A nós, é-nos pedido isto: ser, entre as ruínas quotidianas do mundo, construtores incansáveis de esperança; ser luz enquanto o sol se obscurece; ser testemunhas de compaixão enquanto ao redor reina a distração; ser amorosos e atentos, na indiferença generalizada. Testemunhas de compaixão. Nunca poderemos fazer o bem, sem passar pela compaixão. Quando muito, faremos coisas boas, mas que não atingem a via cristã, porque não tocam o coração. Aquilo que nos faz tocar o coração, é a compaixão: aproximamo-nos, sentimos compaixão e realizamos atos de ternura. Tal é o estilo de Deus: proximidade, compaixão e ternura. É isto que nos é pedido hoje.

Recentemente voltou-me à mente aquilo que costumava repetir D. Tonino Bello, um bispo próximo dos pobres e ele mesmo pobre em espírito: «Não podemos limitar-nos a esperar, devemos organizar a esperança». Se a nossa esperança não se traduzir em opções e gestos concretos de atenção, justiça, solidariedade, cuidado da casa comum, não poderão ser aliviados os sofrimentos dos pobres, não poderá ser modificada a economia do descarte que os obriga a viver à margem, não poderão florescer de novo os seus anseios. Compete-nos, especialmente a nós cristãos, organizar a esperança – é uma linda expressão, esta de Tonino Bello: organizar a esperança –, traduzi-la diariamente em vida concreta nas relações humanas, no compromisso sociopolítico. Isto faz-me pensar no trabalho que fazem tantos cristãos com as obras de caridade, no trabalho da Esmolaria Apostólica… Que é que se faz lá? Organiza-se a esperança. Não se dá uma moeda; organiza-se a esperança. Esta é uma dinâmica que hoje nos pede a Igreja.

Hoje Jesus oferece-nos uma imagem simples e ao mesmo tempo sugestiva da esperança: é a imagem das folhas da figueira, que desabrocham sem fazer ruído, assinalando que o verão está próximo. E estas folhas aparecem – sublinha Jesus –, quando o ramo se torna tenro (cf. Mc 13, 28). Irmãos, irmãs, aqui está a palavra que faz germinar a esperança no mundo e alivia a dor dos pobres: a ternura. Compaixão que te leva à ternura. Depende de nós superar o fechamento, a rigidez interior, que é a tentação de hoje, dos «restauracionistas» que querem uma Igreja ordenada e rígida: isto não é do Espírito Santo. E devemos superar isto, e fazer germinar nesta rigidez a esperança. E depende de nós também vencer a tentação de nos ocuparmos apenas com os nossos problemas, para nos enternecermos à vista dos dramas do mundo, compadecendo-nos da dor. À semelhança das folhas tenras da árvore, somos chamados a absorver a poluição que nos rodeia e transformá-la em bem: não adianta falar dos problemas, polemizar, escandalizar-nos… (isto, todos o sabemos fazer!); o que adianta é imitar as folhas, que sem chamar a atenção todos os dias transformam o ar poluído em ar puro. Jesus quer-nos «conversores de bem»: pessoas que, imersas no ar pesado que todos respiram, respondem ao mal com o bem (cf. Rm 12, 21). Pessoas que agem: partilham o pão com os famintos, trabalham pela justiça, elevam os pobres e devolvem-lhes a sua dignidade, como fez aquele samaritano.

É bela, é evangélica, é jovem uma Igreja que sai de si mesma e, como Jesus, anuncia a boa nova aos pobres (cf. Lc 4, 18). Repiso o último adjetivo: é jovem uma Igreja assim; a juventude de semear esperança. Esta é uma Igreja profética, que diz, com a sua presença, aos corações desanimados e aos descartados do mundo: «Coragem, o Senhor está próximo! Também para ti há um verão que desabrocha no coração do inverno. Mesmo da tua dor, pode ressurgir esperança». Irmãos e irmãs, levemos ao mundo este olhar de esperança. Levemo-lo com ternura aos pobres, aproximando-nos deles, com compaixão, sem os julgar – julgados, seremos nós –. Porque lá, junto deles, junto dos pobres, está Jesus; porque lá, neles, está Jesus, que nos espera.


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