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O que você faz do tempo?

Relógio antigo

Brian A Jackson | Shutterstock

Julia A. Borges - publicado em 21/02/23

Qual seria a real diferença entre aqueles 12 discípulos que estiveram com Jesus e os bilhões de cristãos que vivem os preceitos de Cristo com uma diferença temporal de mais de dois mil anos? O que realmente mudou?

No início eram 12 e atualmente são mais de 2 bilhões que dizem professar a fé cristã ao redor do mundo. No Brasil, ainda se configura o lar da maior população cristã da América Latina, e também o local com maior número de católicos em todo o planeta. Não é novidade que o catolicismo brasileiro se iniciou juntamente com a colonização europeia e fora a religião oficial do Estado no século XIX, envolvendo-se assim, com as vidas política e social dos cidadãos. Mesmo atualmente, com a Constituição garantindo a liberdade de culto, a influência católica ainda pode ser notada até mesmo em datas comemorativas que alteram o calendário civil do país.

Mas qual seria a real diferença entre aqueles 12 discípulos que estiveram com Jesus e os bilhões de cristãos atuais? O que realmente mudou se o modelo que perseguimos e as leis de Cristo não se alteraram? É controverso, mas talvez a resposta esteja justamente na própria pergunta: o fator tempo – variável invisível com a qual o ser humano ainda não compreendeu totalmente.  

A ideia de um tempo linear, sem retornos, foi defendida pelos hebreus e persas zoroastras, e incorporada pelos cristãos. Foi introduzida a crença em acontecimentos únicos, como por exemplo a crucificação e ressurreição de Cristo. Também o apocalipse descreve o fim de um mundo, indicando que haverá o encerramento de um ciclo que não se repete mais. No século IV, em seu livro Confissões, Santo Agostinho respondia à indagação sobre o que é o tempo da seguinte forma: “se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei”.

O controle e a apropriação do tempo, no decorrer do processo histórico estiveram sempre atrelados ao poder e a riqueza. Na China antiga, por exemplo, um calendário era um pré-requisito à soberania e cada imperador costumava marcar seu período com a promulgação de um novo calendário. Desse modo, era possível reger as atividades diárias (principalmente nas vilas), desde as dos soldados às dos artesões; prever os períodos de colheita ou plantio e promulgar datas dos rituais religiosos.

Tal questão também é discutida em Platão que afirmava que o tempo nasceu quando um ser divino colocou ordem e estruturou o caos primitivo; o tempo teria, portanto, uma origem cosmológica. Já seu discípulo, Aristóteles, considerava importante o mundo observado e entendia a noção do tempo como intrínseca ao Universo. Na filosofia aristotélica o mundo existia na forma de seu modelo cosmológico geocêntrico (a Terra estática no centro dos outros astros) desde sempre. Ele, como a maioria dos pensadores gregos da época, não acreditava na ideia de um momento inicial da criação do Universo, mas era de comum pensamento a ideia de que o tempo é um elemento que não se pode repor na marcha linear dos dias, ele reveste-se de valor único; assim, a felicidade está comprometida com essa marcha, os homens, se querem ser felizes, precisam saber como dispor dele.

Fica claro, portanto, que a ideia de tempo não possui uma única explicação plausível ao longo da história, mas quando foi aqui aludida a ideia temporal para a explicação da possível diferença entre os dozes apóstolos e os cristãos atuais, havia o objetivo de aventar a ideia do afastamento. Explico: a presença de Cristo vivo e humano gerou seguidores pelos seus feitos e ensinamentos; mas como bem dizem algumas passagens bíblicas sobre a nossa terra fértil, nem sempre o solo se encontrava em bom estado para dar fruto. O mesmo tempo que produz e aumenta a fé, também pode produzir o ceticismo.

O que se percebe no momento atual é a forte carga temporal se sobressaindo diante da fraca crença, e o afastamento tem acontecido de maneira gradual entre os ditos cristãos e até mesmo dentre os que seguem o catolicismo de maneira constante e regular ao cumprir seus deveres dominicais. Ser cristão se reduziu a preceitos, regras e ditames sem a reflexão profunda do motivo principal de cada ato. Não é, todavia, excluir as normas, mas entendê-las ao ponto de colocá-las na práxis diária, porque ser católico somente aos domingos e dias santos nunca será a maneira correta de se chegar a Deus, mas talvez a maneira mais fácil de se chegar ao obscurantismo.

Alias, é no limbo da escuridão que muitos se encontram. Parece que a Caverna de Platão nunca esteve tão viva nos tempos atuais – raros são os que querem deixar a verdadeira cegueira de lado, porque para tal, necessita vontade, esforço, anulação, comprometimento, necessita até mesmo afastamento da tão desejável felicidade mundana em prol de uma lançar-se em Cristo sem ter em seus bolsos a certeza e o controle tão cobiçáveis.

Se no passado pregava-se a conversão do indivíduo, o que se vê agora é a forçada aceitação; a teologia está tendo que se adaptar à (falta de) moral que prevalece, ou seja, há nela a incumbência pela disposição em se adaptar ao pecado de cada um para que aquele dito cristão seja enfim aceito. O pecador não é mais incluído através da conversão, mas da aceitação. A premissa de se anular para viver conforme Cristo vivia ficou totalmente esquecida.

A liberdade que a cada dia parece ser confundida com a total libertinagem tem sido fator preponderante na caminhada de um verdadeiro discípulo. As permissividades das gerações atuais têm dificultado a sobriedade que não deve ser buscada apenas pelos que possuem problemas de dependência de alguma espécie, mas a todos os que buscam a temperança e o equilíbrio de viver na corda bamba de um mundo que a cada instante muda e inverte os seus valores.

É verdade que não lutamos contra seres humanos, mas “contra principados e potestades, contra os dominadores deste sistema mundial em trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais.”(Efésios 6:12), e para esse combate não adianta nos munirmos das armas do mundo, porque elas mesmas nos destroem ao menor sinal de fraqueza. 

Das inúmeras pessoas ditas católicas ao redor do mundo, poucos, talvez, sejam realmente convertidos e estejam dispostos a se voltarem de cabeça e coração às verdades propagadas há mais de dois mil anos. Poucos, talvez, rasguem o seu próprio eu para darem lugar ao Deus que se fez homem; poucos enfrentem a piracema diária a fim de morrer a cada dia para o mundo e renascer a cada instante em Cristo. Poucos, bem poucos, talvez uns doze…

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