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Pe. José Eduardo esclarece: mudou algo na doutrina da Igreja sobre pessoas trans e homossexuais?

Homossexualidade e fé cristã

© WOJTEK RADWANSKI / AFP

Pe. José Eduardo - Reportagem local - publicado em 10/11/23

O sacerdote brasileiro colabora para evitar interpretações errôneas ou manipuladas do "responsum" recém-publicado pelo Vaticano

O bispo diocesano de Santo Amaro, dom José Negri, solicitou esclarecimentos do Dicastério para a Doutrina da Fé a respeito da participação de pessoas trans e homoafetivas nos sacramentos do batismo e do matrimônio. Os questionamentos foram respondidos pelo cardeal Victor Mánuel Fernandez, prefeito desse dicastério, com aprovação do Papa Francisco – e a publicação do “responsum” vaticano tem gerado, especialmente no Brasil, uma onda de matérias não exatamente claras em grande parte dos veículos de imprensa.

Com o propósito de ajudar o público a entender com clareza as respostas apresentadas pelo Vaticano, o pe. José Eduardo de Oliveira e Silva, da diocese paulista de Osasco, doutor em Teologia Moral pela Universidade da Santa Cruz, em Roma, concedeu gentilmente uma entrevista que foi publicada pela Canção Nova.

Com a autorização do pe. José Eduardo, Aleteia reproduz os pontos-chave da entrevista:

Houve mudança na doutrina da Igreja quanto a pessoas transexuais e homossexuais?

  • O pe. José Eduardo responde que “substancialmente, nada [mudou]”, já que o próprio “responsum” do Dicastério para a Doutrina da Fé reforça que as respostas agora reiteradas “repropõem, em substância, os conteúdos fundamentais de quanto, no passado, foi afirmado por este Dicastério sobre tal matéria”.
  • O pe. José Eduardo destaca que, “para a doutrina católica, há uma imensa diferença entre a ‘condição’ homo e transexual e os ‘atos’ sexuais dessas pessoas” – e que, mesmo em relação aos atos, “um juízo negativo sobre uma situação objetiva não implica um juízo sobre a imputabilidade ou a culpabilidade da pessoa envolvida” (cf. Amoris Lætitia, n. 302), “pois a imputabilidade requer plena advertência e perfeito consentimento, como ensina o Catecismo (cf. n. 1859)”.
  • No tocante às pessoas trans, o sacerdote explica que “uma pessoa que tem disforia de gênero ou alguma inadequação entre o seu corpo e a sua própria autocepção não pode ser culpabilizada por isso, mesmo que tenha se submetido a uma intervenção de redesignação. Tais pessoas podem, perfeitamente, converter-se e entregar a sua vida a Deus, que é o escopo principal do sacramento do batismo”.

Pode-se receber o batismo sem estar arrependido dos próprios pecados?

  • Considerando que o Código de Direito Canônico (cânon 865) afirma a necessidade de se exortar o catecúmeno ao arrependimento dos seus pecados, enquanto o “responsum” menciona a possibilidade de uma pessoa receber o batismo sem estar arrependida, o pe. José Eduardo explica que este último se refere “a uma situação muito mais circunscrita e que tem a ver com a avaliação pastoral a ser feita pelo pároco: ‘quando existem dúvidas sobre a situação moral objetiva em que se encontra uma pessoa, ou sobre as suas disposições subjetivas para com a graça divina'”. O pe. José Eduardo explicita: “Isso se refere ao caso de alguém que se demonstra disposto a passar por um caminho de conversão, mas cuja ‘certeza moral’ possa ser dificultosa ao pároco diante dos indícios apresentados”. Neste caso, “o dicastério apenas apresenta a desnecessidade de uma certeza absoluta, circunscrevendo-a nos limites tradicionais do que se entende por ‘certeza moral'”.
  • Em relação à distinção entre os aspectos pastorais e doutrinais ou canônicos da questão, o sacerdote brasileiro observa que, “para a Igreja, a pastoral nunca está desvinculada da doutrina e do direito”. Entretanto, ele recorda que o Papa Francisco incentiva enfaticamente a perspectiva “de uma Igreja de ‘portas abertas’, que ‘cria pontes e não muros’, ’em saída’, ‘samaritana’, como ele mesmo a descreve no documento mais importante do seu pontificado, a exortação Evangelii Gaudium, nos leva a fazer tudo o que for possível para aproximar uma pessoa de Deus, jamais limitando por nossa iniciativa as amplas portas da Misericórdia”.

Pode batizar-se uma pessoa que adotou um “nome social”?

  • O pe. José Eduardo observa que “o próprio Rito de Iniciação Cristã de Adultos prevê uma ‘mudança de nome’, que seja um marco para a mudança de vida”. Ele acrescenta que “o pastor local precisa dedicar-se muito mais à acolhida, ao discernimento, à reflexão juntamente com o catecúmeno, ajudando-o a encontrar não tanto a sua identidade para si, mas a sua identidade para Deus, aquele ‘nome novo’ do qual nos fala o livro do Apocalipse (cf. 2,17). O batismo nunca pode ser entendido como um momento de conquista e autoafirmação, mas como uma humilde recepção da graça, com o pedido a Deus de uma transformação real, que, no itinerário desse percurso, pode estar mais ou menos adiantada”.

Podem admitir-se transexuais como padrinhos/madrinhas de batismo ou matrimônio?

  • No caso do batismo, o pe. José Eduardo pede atenção ao fato de que “o cardeal Fernández menciona a necessidade de que não haja nenhum ‘perigo de escândalo'”. E explica: “Nós precisamos entender que, para além do direito, existem circunstâncias familiares complexas, que requerem certa flexibilidade pastoral de nossa parte. Aquilo que a Igreja requer para o batismo de uma criança é que se garanta que ela receberá a educação católica por parte de alguém; no mais, é possível que haja alguma situação em que seja viável, tomadas as devidas medidas de cautela, admitir alguém naquelas condições como padrinho. Observe-se bem que a mesma nota afirma que este ‘não é um direito’, pois é a Igreja que habilita alguém para exercer essa função”. Além disso, prossegue o padre, “a celebração do batismo nunca deve ser usada como instrumentalização ideológica, para impulsionar a agenda de nenhum movimento de revolução sexual. Garantidas essas cautelas e sempre com a supervisão do bispo diocesano, é possível que haja situações em que isso seja, de algum modo, viável”.
  • No caso do matrimônio, o pe. José Eduardo recorda que “a Igreja não fala em ‘padrinhos’ de matrimônio, pois, nesse caso, não se exerce nenhuma função educativa em relação ao casal, mas apenas em ‘testemunhas’, pois aqueles que estão destacados na assembleia para exercer essa função exercem-na como representantes da mesma assembleia, toda ela testemunha do ato, mas que se faz representar por alguns, escolhidos pelos nubentes, para atestarem seu testemunho por escrito. De fato, não há grandes inconvenientes em relação a isso”.

Podem apresentar-se casais homoafetivos como “pais” ou padrinhos de um batizando?

  • O pe. José Eduardo contextualiza que, “diante de uma vida concebida, a Igreja deve assegurar-se apenas da condição fundamental, sem a qual não seria lícito batizar, e que é reafirmada pela nota: ‘para que a criança seja batizada deve existir a fundada esperança de que será educada na religião católica'”. Dada esta base, o padre observa que “existem muitos casos em que está por detrás da cerimônia do batismo uma avó católica e sofredora pela condição do seu filho, um avô angustiado e que zela pela salvação do seu neto. Como diz o papa, ‘é mesquinho deter-se a considerar apenas se o agir duma pessoa corresponde ou não a uma lei ou norma geral, porque isto não basta para discernir e assegurar uma plena fidelidade a Deus na existência concreta dum ser humano’ (Amoris Lætitia, n. 304)”.
  • No tocante a casais homoafetivos como padrinhos, o padre registra ainda, conforme está expresso no próprio “responsum”, que “a Igreja coloca como ponto principal ‘salvaguardar o sacramento do batismo e sobretudo a sua recepção’, sem descuidar em que o padrinho ‘leve uma vida de acordo com a fé e o encargo que vai assumir’. Por isso, a mesma nota fala sobre a possibilidade de ser ‘testemunha do ato batismal’, sem que seja propriamente padrinho.

Podem admitir-se casais homoafetivos como testemunhas de um matrimônio?

  • O pe. José Eduardo observa que a Igreja diz que “não há uma proibição a que pessoas homoafetivas testemunhem o matrimônio”, mas “tudo isso deve ser oportunamente avaliado pelo pároco local, em sintonia com o seu próprio bispo”.

Considerações finais sobre o “responsum” e sua coerência com a doutrina

  • O pe. José Eduardo reitera que a interpretação de que o “responsum” não altera a doutrina católica “não é apenas possível, como é obrigatória, uma vez que nos cabe sempre interpretar ortodoxamente tudo o que diz e ensina a Igreja, em continuidade com a Tradição”. Ao mesmo tempo, ele constata que “apresentam-se hoje, à nossa cura pastoral, situações novas”, de modo que “a Igreja precisa não apenas aplicar os princípios, mas também ir atrás da ovelha perdida, mostrando a sua benevolência materna em aproximar de Cristo cada pessoa, sabendo que a conversão é um caminho diário, um processo contínuo, em que todos nós estamos.
  • No tocante ao risco de que alguns ou muitos não compreendam o “responsum” e fiquem sujeitos a manipulações, o sacerdote brasileiro afirma que cabe a nós “ter a humildade e a obediência de acolher de bom coração o que nos ensina a Igreja e que, no caso, não destoa minimamente do seu Magistério multissecular, ainda que adaptado às necessidades atuais. Atitudes de rebeldia e criticismos exagerados não são admissíveis na nossa relação com a Igreja docente”.

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