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Eleições municipais à luz da doutrina social

ELEIÇÕES NO BRASIL

Joa Souza / Shutterstock.com

Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 08/11/20

A valorização da atuação municipal sempre foi importante para os políticos com sólida formação em doutrina social católica

Para nós, brasileiros, as eleições municipais frequentemente parecem eleições “menores”, sem a importância daquelas de nível estadual e federal. Isso é consequência de uma real concentração de poder na estrutura político-administrativa brasileira.

O governo federal concentra grande parte dos recursos e das decisões importantes para a Nação, delegando a estados e municípios um protagonismo menor na vida do País. Esse é um dos aspectos da ineficiência dos governos no Brasil. As necessidades e os recursos para solucioná-las surgem em nível local, mas são encaminhadas em grande parte para níveis de decisão mais centralizados e depois retornam ao nível local, como decisões centralizadas e auxílios concedidos – com gastos extras no circuito e frequente perda de visão real dos problemas.

Não nos damos conta de como essa realidade é distorcida, porque estamos acostumados com ela. Contudo, nos países mais desenvolvidos e nas democracias mais estáveis, frequentemente os governos municipais e estaduais detém muito mais recursos e poder de decisão do que entre nós.

Isso gera uma certa omissão de nossa parte: como estamos acostumados à falta de autonomia das instâncias locais, frequentemente deixamos de fiscalizar o que acontece ali, deixando espaço para ineficiência e corrupção no uso dos recursos, como acontece nos frequentes escândalos de merendas escolares, obras públicas e transportes coletivos – sem falar na precariedade do atendimento à saúde da população, que é uma responsabilidade compartilhada pelos níveis municipal, estadual e federal, e nas deficiências das redes municipais de ensino.

O protagonismo começa no local

A doutrina social da Igreja sempre valoriza o protagonismo da pessoa e das organizações da sociedade (muitas vezes chamadas, particularmente nos documentos magisteriais mais antigos, de “corpos intermediários”). Onde a pessoa e os grupos sociais podem fazer mais diferença? Justamente no nível local. Por isso, a valorização da atuação municipal sempre foi importante para os políticos com sólida formação em doutrina social católica. 

A palavra “protagonismo” evita algumas reduções errôneas que o conceito de participação tem sofrido. A primeira é considerar participação como envolvimento passivo com uma posição política, um apoio tácito a certas lideranças ou partidos. As lideranças decidem e o povo participa indo às manifestações ou votando conforme indicado. Essa situação pode ocorrer, mas é apenas uma parte, reduzida, daquilo que é uma verdadeira participação.

Participação também pode ser reduzida a reivindicação. O povo participa reivindicando seus direitos, mas deixa depois que os líderes decidam como atender às reivindicações. Novamente estamos diante de uma situação que pode acontecer, mas não reflete o espírito integral da participação, tal qual pensada pela doutrina social católica. Uma participação que se esgotasse aí seria alienante para a pessoa.

O protagonismo é uma forma de participação em que as pessoas contribuem com suas posições particulares, decidem e administram sua vida como sujeitos da própria história, ainda que em comunhão com os demais. Não há participação quando não existem obras que expressam a criatividade e os esforços das pessoas, individualmente ou em grupo. As organizações da sociedade são os espaços mais típicos desse tipo de participação com protagonismo, fundamental para a construção de uma democracia sólida e de governos realmente voltados ao bem comum.

No Brasil, uma experiência muito interessante é a da Oficina Municipal, uma escola de cidadania e gestão pública que realiza atividades de formação humana e capacitação técnica voltadas às pessoas que se dedicam à gestão de políticas públicas municipais. Não se trata de uma organização religiosa. Pelo contrário, se move no espaço totalmente laico da gestão pública. Contudo, se orienta pelos princípios da doutrina social da Igreja, mostrando – na prática – como esses princípios não são confessionais, mas representam uma sabedoria que é para todos. Nesse mês de novembro, a Oficina dará inclusive um curso online gratuito sobre políticas públicas e doutrina social da Igreja (se interessar, veja mais aqui).

Participação e eleições

Com esse espírito de construir espaços cada vez maiores de participação com protagonismo, devemos nos encaminhar para as votações de novembro. Infelizmente, as eleições no Brasil – e não só no Brasil — costumam ser marcadas por um clima de cansaço e desilusão. Quando pensamos na atuação dos políticos e procuramos escolher algum para votar, temos a impressão de que nada muda, que a “grande política”, que constrói o bem comum, nunca acontece e só a politicagem permanece.

Quando não encontramos bons candidatos, o problema não é só dos políticos. Pessoas boas sempre existem. Se não se candidataram – ou se candidataram, mas não as conhecemos – é sinal de que nós mesmos, individualmente ou em comunidade, não estamos suficientemente envolvidos na construção de uma “política melhor”, na expressão usada pelo Papa Francisco na Fratelli tutti.

Quem olhar com cuidado para o Brasil e o mundo, comparando o passado com o presente, verá que muitas coisas mudaram para melhor. Sem dúvida nem todas, sem dúvida algumas pioraram enquanto outras melhoravam, sem dúvida gostaríamos que as mudanças para melhor fossem muito mais frequentes e muito mais rápidas. Mas, sem dúvida também, se comprometer para a construção de um mundo melhor vale a pena. Vale a pena pelo futuro que construímos juntos, vale a pena porque nesse esforço pelo bem comum, se vivido com verdadeiro amor ao próximo, encontramos a face de Deus, que nos ama e nos acompanha.




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