No poder pela segunda vez e há 15 anos ininterruptos, o ditador Daniel Ortega vem se mostrando cada vez mais contra a Igreja Católica na Nicarágua - um dos países mais pobres da América Central.
Para entender os motivos dessa perseguição aos católicos, é preciso voltar a abril de 2018, quando milhares de pessoas saíram às ruas para para protestar contra o governo ditatorial e exigir o fim do mandato de Ortega. A polícia sandinista usou da violência para repreender os manifestantes, e cerca de 300 deles foram mortos.
Em abril de 2018, milhares de pessoas saíram às ruas de várias cidades do país para protestar contra o governo. Os manifestantes foram duramente repreendidos e cerca de 300 foram mortos pela polícia.
Membros do clero condenaram a repressão e exigiram do governo o cumprimento dos direitos da população. Acontece que o posicionamento da Igreja não foi bem recebido pelo regime, que deu início a uma clara perseguição contra bispos e padres. Houve também inúmeros saques a templos católicos.
Um estudo da pesquisadora e advogada Martha Patricia Molina Montenegro, membro do Observatório Pró-Transparência e Anticorrupção, aponta para a existência de cerca de 200 ataques do governo da Nicarágua contra a fé cristã nos últimos quatro anos.
E, nas últimas semanas, a perseguição anticatólica pelo regime esquerdista de Ortega e de sua mulher, que é vice-presidente do país, se intensificou. Os seguintes ataques fizeram aumentar a tensão no país e evidenciam o ódio do ditador aos cristãos:
1Expulsão do Núncio Apostólico e das Irmãs Missionárias da Caridade
Uma atitude autoritária de Ortega determinou a expulsão do país das religiosas que fazem parte da Congregação Missionárias da Caridade, fundada por Madre Teresa de Calcutá. As religiosas estavam no país desde 1986 e realizavam importante trabalho social junto a comunidades carentes.
O governo alegou que as freiras "não respeitaram a lei sobre financiamento do terrorismo e a proliferação de armas de destruição em massa". Além disso, o regime argumentou que as irmãs não tinham autorização específica para para atuar em serviços de assistência social no país. As Missionárias da Caridade afirmam que estavam em dia com a documentação exigida pelas autoridades. As freiras expulsas da Nicarágua foram para a Costa Rica.
Três meses antes, o governo ditatorial havia expulsado o Núncio Apostólico, ou seja, o representante do Papa no país.
Nos últimos quatro anos, a ditadura também dissolveu outras 450 ONG's que prestavam serviço social aos nicaraguenses.
2Fechamento de emissoras de rádio e TV católicas
Numa tentativa de calar vozes críticas ao governo, em 1º de agosto de 2022 o regime enviou comunicado aos responsáveis pela rádio "Hermanos", emissora da diocese de Matagalpa, determinando seu fechamento. O mesmo decreto também se estendia a outras sete rádios católicas da Nicarágua.
Segundo o comunicado, o fechamento deveria ocorrer devido à suposta falta de alvará de funcionamento das emissoras. Nos bastidores, porém, a medida é entendida como retaliação do regime de Daniel Ortega às frequentes críticas do bispo de Matagalpa, dom Rolando Álvarez, que denuncia publicamente os desmandos do presidente.
Ao todo, o regime fechou 11 emissoras de rádio e quatro TV's locais nos últimos dias.
3Cerco a padres e a um bispo
Durante a invasão a uma capela para fechamento da rádio que funcionava no mesmo prédio, o padre Uriel Vallejos se trancou na casa paroquial após tentar impedir a ação de policiais que queriam levar os equipamentos da emissora.
Pelo Twitter, o sacerdote narrou os momentos de tensão que viveu e fez vários pedidos de oração e socorro aos paroquianos (clique aqui para ler).
Dom Rolando Álvarez, bispo da diocese de Matagalpa e forte crítico do regime de Ortega, se manifestou contra o fechamento das rádios e o cerco ao padre Vallejos. Em resposta, ele foi impedido de celebrar uma Missa, mas enfrentou os policiais com o Santíssimo Sacramento. Depois, a polícia o deteve na cúria diocesana juntamente com outras dez pessoas (entre sacerdotes e leigos). Há mais de dez dias, eles permanecem em prisão domiciliar e vigiados por policiais fortemente armados. Mesmo detido, o bispo e os sacerdotes celebram diariamente a Missa e rezam o Terço na capela interna da cúria. As celebrações são transmitidas pela internet.
No fim de semana do dia 14 de agosto de 2022, a polícia nacional impediu dois padres de irem a uma Missa na catedral de Matagalpa. Em outra operação policial, um terceiro padre foi preso no norte da Nicarágua e ainda não se sabe o motivo da ação arbitrária.
4Proibição de uma procissão
Em outro ato autoritário, a polícia de Ortega proibiu a realização de uma procissão da imagem de Nossa Senhora de Fátima pelas ruas de Manágua, a capital do país.
A procissão marcaria o encerramento de um congresso mariano e o fim da peregrinação da réplica de Fátima pelo país (a imagem é oriunda de Portugal). Como não houve procissão, o arcebispo de Manágua convocou os fiéis a comparecerem pacificamente à catedral para a Missa e a reza do Santo Terço.
Temendo protestos, o governo tem proibido eventos com aglomeração de pessoas, com exceção daqueles que são de interesse da ditadura.
A ditadura de Ortega
Daniel Ortega foi guerrilheiro da Frente Sandinista de Libertação Nacional. No final da década de 1970, o grupo venceu a chamada Revolução Sandinista, derrubando o antigo ditador, Anastasio Somoza Debayle, e implementando em seu lugar uma Junta de Governo da qual Ortega fazia parte. Em 1985, ele convocou eleições gerais, venceu e ficou no poder até 1990.
Voltou ao cargo em 2006, vencendo as eleições presidenciais sob acusações de fraude. As acusações se tornaram cada vez mais enfáticas e abundantes nas suas duas reeleições seguidas. Ainda assim, Daniel Ortega permanece no comando da Nicarágua, ininterruptamente, desde janeiro de 2007.
Nas eleições de 2021, Ortega foi acusado de perseguição política contra os candidatos adversários. As ilegitimidades foram tão clamorosas que uma parte da própria esquerda latino-americana não teve remédio senão reconhecer o caráter ditatorial do regime da Nicarágua. O resultado das eleições fraudadas não é reconhecido pela maioria dos países do continente americano, nem pela União Europeia.
A maioria dos Estados Membros OEA (Organização dos Estados Americanos) votou favoravelmente a um apelo ao presidente Daniel Ortega para por fim ao assédio contra a Igreja no país. Esse apelo é uma demonstração que a organização pan-americana condena as medidas repressivas do governo contra a Igreja e outras instituições civis e políticas do país.